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'Somos cobaias', diz Bryce Dallas Howard sobre retomada de Hollywood

'Jurassic World Dominion' é chance para indústria do cinema verificar se pode superar problemas que pandemia expôs

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Nicole Sperling Brooks Barnes
The New York Times

Como a maioria dos atores, Bryce Dallas Howard está acostumada a chegar aos estúdios de filmagem sabendo o diálogo que terá de dizer, quando ela terá de fazer isso e não muita coisa mais.

A situação é diferente em “Jurassic World: Dominion”, um dos primeiros grandes filmes dos estúdios de Hollywood a ter sua produção retomada desde que a pandemia do coronavírus causou uma paralisação mundial de atividades, em março.

Antes de concordar em voltar ao trabalho no estúdio Pinewood, nas cercanias de Londres, Howard e outros membros do elenco interrogaram os produtores e os executivos do estúdio que responde pelo filme, numa série e conversas via Zoom e email, sobre as precauções que estariam sendo adotadas.

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Elenco e equipe no set de'Jurassic World: Dominion' - John Wilson/Universal Pictures e Amblin Entertainment/The New York Times

Howard agora tem informações sobre tudo, de como afixar seu microfone antes da filmagem —ela cuida disso sozinha antes de entrar no estúdio, com a ajuda de uma camareira, enquanto um técnico de som, usando máscara e um estudo, as instrui—, a quem estará encarregado de arrumar sua cama no hotel de luxo que o estúdio Universal alugou para hospedar o elenco e a equipe técnica por 20 semanas.

“Antes, os atores não eram incluídos nos preparativos”, disse Howard numa entrevista por telefone, definindo o cinema como um negócio de “circulação controlada” de informações. “No entanto, para convencer qualquer um de nós a tomar um avião, tínhamos de compreender completamente os protocolos e obter segundas e terceiras opiniões. Somos as cobaias que estão testando o retorno.”

Hollywood não conseguiu retomar a produção em seus próprios estúdios de filmagem, no estado americano da Califórnia, por causa da alta do número de contágios ali, da lentidão das negociações com os sindicatos sobre os protocolos e da demora na obtenção de resultados de exame.

Assim, os grandes estúdios, sob pressão para reativar suas linhas de montagem, decidiram se concentrar em filmagens no exterior. As continuações de “Avatar” estão sendo filmadas uma vez mais na Nova Zelândia. A Sony Pictures está rodando “Uncharted”, sua adaptação de um videogame muito popular, em Berlim.

A Universal está abrindo o caminho com “Jurassic World” e um manual de segurança de 107 páginas que detalha tudo, dos scanners infravermelhos de temperaturas que o elenco e equipe encontram ao chegar às refeições embaladas a vácuo servidas por trabalhadores mascarados que ficam isolados atrás de proteções plásticas no refeitório, onde a comida é entregue mas não pode ser consumida.

É um protocolo de segurança que está servindo de modelo para outros estúdios, por exemplo a Marvel, que retomou a filmagem de “Shang Chi” duas semanas atrás na Austrália.

Cerca de 750 pessoas estão envolvidas na produção de “Jurassic World”, um filme de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 bilhão), que foi reiniciada em 6 de julho, e o estúdio de filmagem normalmente seria uma colmeia de atividade.

Mas a Universal dividiu a produção em duas categorias. A maior é composta por departamentos que não precisam de acesso ao set durante a filmagem, como os de carpintaria e adereços. A categoria mais exclusiva, chamada de zona verde, inclui o diretor, o elenco e a parte essencial da equipe técnica, como os operadores de câmera e o pessoal do departamento de som.

O resultado, disse Howard, é comparável a um “set fechado”, que na época pré-pandemia era tipicamente usado apenas para as cenas que exibem intimidades físicas.

As pessoas que trabalham dentro da zona verde passam por exames de Covid-19 três vezes por semana, e o estúdio de filmagem passa por uma limpeza que envolve o uso de uma fumaça antiviral antes de cada uso. As cadeiras em que os atores se acomodam entre as cenas ficam cercadas por cones de trânsito alaranjados, para lembrar as pessoas de que é preciso manter o distanciamento social.

Quando existem pausas maiores na rodagem durante o dia, o elenco pode se recolher a uma “sala de visitas” especial na zona verde, onde há sofás, cobertores, luminárias e plantas. As pias são numerosas, e a cada vez que alguém entra ou sai da zona verde, a pessoa deve lavar as mãos.

O objetivo é preservar a saúde de todos —e pensar menos sobre o coronavírus e mais sobre um planeta infestado de dinossauros.

“Por um breve momento podemos viver no mundo que estamos criando e podemos deixar para trás o resto do mundo”, disse o diretor, Colin Trevorrow, numa entrevista por telefone.

“Jurassic World Dominion”, que tem estreia marcada para junho do ano que vem, é mais que a sexta parte de uma série que já arrecadou mais de US$ 2 bilhões nas bilheterias mundiais. É uma chance para que Hollywood verifique se pode avançar e deixar para trás os muitos problemas setoriais que a pandemia expôs —do fechamento dos cinemas a uma audiência que parece ter se tornado mais e mais confortável com assistir a filmes premium do sofá.

Os estúdios de Hollywood mantiveram sua lucratividade nos últimos anos ao concentrar suas atenções em potenciais “blockbusters” baseados em propriedades intelectuais conhecidas, principalmente porque filmes como esses propelem muitas atividades acessórias e é quase garantido que atraiam espectadores às salas de exibição.

“Jurassic World” é um exemplo perfeito. É uma máquina de merchandising, e a NBCUniversal conta com o filme para restaurar a atividade em seus parques temáticos, que enfrentam uma séria crise”; há um vínculo entre o filme e o “Velocicoaster”, uma montanha russa em construção no Universal Orlando Resort, no estado americano da Flórida.

Donna Langley, que comanda o grupo de entretenimento filmado da Universal, definiu o retorno à produção como “simbólico para o setor”.

“Se uma produção dessa magnitude pode ser administrada com sucesso apesar das incertezas da filmagem durante uma pandemia e manter as pessoas empregadas e a sequência de produções em curso, há uma luz no fim do túnel para rodagens de filmes de todos os tamanhos, como prova de que eles serão capazes de criar ambientes de trabalho seguros e sustentáveis”, disse Langley, que também preside o grupo de trabalho formado pelo condado de Los Angeles para repôr Hollywood em atividade.

O número de casos da doença continua alto demais no condado de Los Angeles —e o número de kits de exame disponíveis e de laboratórios capazes de processar resultados continua baixo demais— para que grandes produções sejam retomadas por lá.

Um filme estrelado por Ben Affleck estava a cinco semanas do início da rodagem quando o vírus forçou uma pausa. Os produtores estavam pensando em filmar em Austin, no estado americano do Texas, mas o número de contágio também começou a subir por lá.

Agora, o produtor Mark Gill está pensando em Londres. “É virtualmente impossível filmar em qualquer parte dos Estados Unidos, no momento”, ele disse.

A Universal optou por levar adiante a rodagem de “Jurassic World” porque, a despeito de ser uma grande produção de ação e aventura, ele exige poucas cenas em locações reais, um mínimo de extras e tem um elenco relativamente pequeno. O filme também já tinha começado sua produção na Inglaterra pouco antes da paralisação causada pela pandemia, o que tornou mais fácil retomar a atividade.

Tentar criar um ambiente seguro incluiu encomendar cerca de 18 mil kits de teste de Covid-19 e 150 postos de higienização. Os custos associados aos protocolos de segurança são de cerca de US$ 9 milhões e incluem a despesa de alugar todo um hotel, disseram pessoas envolvidas na produção.

O estúdio recebeu orientação sobre exames da Your Doctor, uma organização médica privada de Londres. Um clínico geral está presente no set o tempo todo, acompanhado por quatro enfermeiros posicionados em estações de medição de temperatura na entrada do estúdio de filmagem. Há também diversos paramédicos de prontidão.

O elenco é testado a cada segunda, quarta e sexta-feira. Os membros da equipe que interagem menos com os atores e podem usar trajes de proteção o tempo todo são testados com frequência menor.

Alugar o hotel por toda a duração da filmagem —uma ideia que Trevorrow definiu como “ótima”— também foi essencial.

“Laura Dern, Sam Neill, Jeff Goldblum e todos os atores estavam muito cautelosos”, disse Trevorrow. “Mas saberem que estariam todos juntos e em segurança realmente ajudou. Se eles tivessem decidido não vir, nada disso poderia estar acontecendo.”

Os envolvidos com a produção passaram por 14 dias de quarentena ao chegar. Depois disso, foram liberados para circular pelo hotel. O uso de máscaras é opcional e não é necessário respeitar o distanciamento social. (Os membros da equipe do hotel passam por exames três vezes por semana.) As pessoas tomam café da manhã juntas, têm acesso à academia (e a um treinador virtual) e à piscina e jogam frisbee no gramado do hotel a cada domingo.

Alguns dos atores viajaram para Londres com suas equipes pessoais de cabeleireiros e maquiadores. Goldblum veio com a mulher, dois filhos pequenos e duas babás.

“Ensaiamos no domingo depois do frisbee, todas as cenas que rodaremos na cena”, disse Trevorrow, que escreveu o roteiro com Emily Carmichael. “Trabalhamos juntos no diálogo. Todas as perguntas que normalmente surgem no set —‘mas o meu personagem diria mesmo isso?’— são resolvidas com antecedência.”

Uma complicação envolvia Chris Pratt, um dos astros do filme, cuja mulher, Katherine Schwarzenegger, estava a ponto de dar à luz. A Universal trabalhou com o governo britânico e o Instituto Britânico de Cinema para obter uma isenção de quarentena que considerasse os trabalhadores do entretenimento como essenciais, o que significa que eles poderiam chegar ao país e começar diretamente a trabalhar.

Pratt passou três semanas trabalhando no filme em Pinewood, depois viajou aos Estados Unidos para acompanhar a mulher no parto de seu bebê e voltará a Londres no começo de setembro. A produção então se transferirá para Malta por oito dias, antes de voltar por mais sete semanas a Pinewood. Quando Pratt chegar a Malta, ele passará por três testes em cinco dias antes de ser liberado para se reintegrar à produção.

Quatro membros da equipe foram identificados como portadores do coronavírus, no Reino Unido, do começo de julho para cá, e dois deles ainda não tinham ido ao set. Eles passaram por duas semanas de quarentena e, depois de três exames negativos, foram autorizados a retornar ao trabalho. Os dois outros passaram por isolamento, assim como todas as pessoas com quem eles haviam tido contato. O estúdio informa que ninguém adoeceu seriamente. (Dos membros da equipe enviados a Malta com antecedência, quatro foram apanhados nos exames. Estão em isolamento.)

“Depois de passarmos pelo estúdio, todos os atores esperam que esses protocolos sejam mantidos”, disse Howard. “Porque eles representam uma melhora. Nada parece redundante, nada parece irritante.”

“De alguma maneira, parece que o que está acontecendo é um acerto em termos de segurança que continuará a parecer uma boa ideia num mundo pós-vacina para a Covid”, ela acrescentou.

Tradução de Paulo Migliacci

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