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Artes Cênicas

Filme do Grupo Galpão escancara as angústias do teatro da pandemia

'Éramos em Bando', da companhia mineira, vai do fracasso à reinvenção precária para cativar espectador em longa gratuito

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Éramos em Bando

  • Onde Exibição gratuita no YouTube pelo canal Grupo Galpão de Teatro e no site da distribuidora Embaúba Filmes
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Antonio Edson, Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Teuda Bara
  • Direção Marcelo Castro, Pablo Lobato e Vinícius de Souza
  • Duração 54 minutos

"Éramos em Bando" é uma obra singular na trajetória de quase 40 anos do grupo de teatro Galpão. Dirigido por Marcelo Castro, Pablo Lobato e Vinícius de Souza, o filme contém exclusivamente imagens gravadas pelo computador, através do aplicativo Zoom.

Depois de meio ano de pandemia, a estética da tela quadriculada, em que cada pessoa aparece sempre só, não tem nada de novidade. Ainda assim, causa espanto a disponibilidade afetiva, lúdica e estética dos integrantes da trupe mineira em embarcar num processo criativo por meio dessa tecnologia.

Quando os teatros foram fechados, em março, o Galpão preparava seu 25º espetáculo, "Quer Ver Escuta". O tom das primeiras reuniões que aparecem na montagem é de perplexidade, de inação. Paulo André chega a dizer "isso aqui está patético, um encontro falido em sua essência".

De fato, o fracasso estava embutido na tentativa de reinventar, cada um em seu quadrado, o fazer teatral coletivo característico do grupo.

Uma reprodução da tela do aplicativo Zoom. Dois atores aparecem mostrando seus olhos.
Filme-ensaio do Grupo Galpão, de Belo Horizonte, "Éramos em Bando" - André Baumecker

Versos escritos pelo poeta carioca Alberto Pucheu, lidos pelo elenco em cena, sintetizam o espírito da iniciativa. "Apesar de tudo, o impossível. Apesar de tudo o que querem, apesar de tudo já ter sido dito, é preciso dizer que tudo ainda está por se dizer."

Se o espectador se frustra porque o verdadeiro encontro nunca ocorre, ele também se emociona com pequenas subversões no protocolo das vídeochamadas. Como quando cada ator apaga as luzes do ambiente onde está para se deixar iluminar só pela tela do computador. A luz forte de um invade o espaço dos demais. Chega aqui mais azulada, ali amarelada, mas essa brecha na divisão tão estanque dos quadrados produz surpresa e poesia.

Mais tarde, a imagem sugere que cada computador se desloca ligeiramente, criando novos enquadramentos e revelando espaços íntimos até então escondidos, num lirismo estranho, contido.

Há, evidentemente, muita melancolia ao longo dos 54 minutos de filme. Ela já fazia parte da peça original, cuja estreia, prevista para abril, não ocorreu. Talvez nunca ocorra. A sinopse trazia um cenário pós-apocalíptico em que os humanos estão mortos, mas a poesia permanece viva.

A impossibilidade de estar fisicamente reunidos, alicerce do Galpão, equivale a um luto? De que serve a solidão dos planos americanos geometricamente dispostos? Como ensaiar depois de saber da morte de um amigo querido, o ator Flavio Migliaccio?

Veterana da companhia que tem na alegria e no desajuste seu registro de atuação predominante, Teuda Bara se entristece e se cala. Ao violão, Eduardo Moreira, diretor artístico do Galpão, dedilha acordes capazes de mandar depressa ir embora a saudade que mora em seu coração.

Teuda Bara é responsável também por passagens hilárias. Chega sempre atrasada aos encontros, não se acerta com a câmera, não consegue desligar, não vê quem está falando. Essas dificuldades ora irritam os colegas, ora provocam gargalhadas. "É como aprender a andar de perna de pau", resume a atriz, que na década de 1990 encenou "Romeu e Julieta" sobre hastes de madeira.

"Éramos em Bando" evoca ainda "Moscou", documentário de Eduardo Coutinho lançado em 2009 que acompanha a trupe se preprando para a peça "Três Irmãs", de Tchekhov. Novamente conversas espontâneas se mesclam a cenas pensadas, escritas, dirigidas e ensaiadas, recriando a aliança entre ficção e realidade.

Como obliterar os demais corpos para que um ator se sobressaia em sua cena? Desponta por acaso uma alternativa simples aos quadradinhos pretos –alguém coloca o dedo sobre a câmera, os outros imitam, e diferentes tons de vermelho-carne invadem a tela.

A precariedade das soluções artísticas para o limitado sistema de vídeochamada revela o pano de fundo de precariedade que domina o teatro brasileiro atual.

Fica evidente que não se encontrou substituto para o teatro, o palco, o encontro presencial. Não se trata disso. A questão é "aprender a ficar submerso", como escreve Alberto Pucheu. O Galpão, além de ter feito a lição, ensina uma gama de respiros para toda sorte de reunião online.

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