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Filme sobre Cid Moreira mostra que há pouco por trás de seu enigma

'Boa Noite', que estreia nesta terça (29), descreve de forma delicada uma figura tão vaidosa quanto desinteressante

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Mauricio Stycer

Boa Noite

  • Quando Ter. (29), às 21h, qua. (30), às 15h, em etudoverdade.com.br
  • Produção Brasil, 2019
  • Direção Clarice Saliby

Quem é Cid Moreira? O que pensa? Como vive? O que faz hoje em dia? Uma das vozes mais marcantes da televisão brasileira ainda é um enigma para muita gente.

O locutor apresentou o principal telejornal do país, o Jornal Nacional, por mais de 26 anos. Da estreia, em 1º de setembro de 1969, até 29 de março de 1996, foram mais de 8.000 presenças na bancada. Aparentemente, é um recorde mundial: ninguém esteve à frente de um mesmo telejornal por tanto tempo.

Entrando na casa do espectador por tanto tempo, é natural que muita gente queira conhecê-lo melhor. É justamente esta oportunidade que oferece o documentário “Boa Noite”, de Clarice Saliby.

Numa mensagem no início do filme, a diretora observa que “o desafio de fazer o retrato de uma pessoa é sempre atravessado por muitas armadilhas, muitos perigos”.

Ela diz que Cid Moreira “habita o inconsciente brasileiro de uma forma tão peculiar” e acrescenta que ambicionou fazer “uma desconstrução dessa imagem quase mitológica” do seu protagonista.

O resultado do filme é, realmente, surpreendente. De forma muito delicada, afetuosa até, Saliby descreve uma figura tão vaidosa quanto desinteressante. Uma pessoa sem nada de relevante para dizer, aparentemente incapaz de falar uma frase sem transmitir a impressão de que está narrando um telejornal.

A diretora mostra o seu personagem diversas vezes diante do computador gravando textos na primeira pessoa para serem usados na narração do filme. “O cinema pede naturalidade”, ele diz, pedindo para regravar um trecho. Nos créditos finais é informado que Saliby divide com Cid a autoria desses textos.

No momento mais cômico, Cid reencena um acidente doméstico, em que ficou preso dentro da sauna e teve medo de morrer. Após ver as cenas, pede para a diretora colocar uma música “mais dramática”.

O locutor não fala dos colegas de trabalho, não fala de vida pessoal (menciona brevemente uma filha, Jaciara, que morreu), mas tem enorme prazer em mostrar sua rotina tediosa. Anota todas as atividades comezinhas do dia numa agenda.

O filme o acompanha numa ida ao barbeiro, num jantar com amigos e em um banho de banheira (mais recatado do que o exibido pela Caras, numa célebre capa em 1993).

Mesmo tendo se ocupado por seis anos com a gravação da Bíblia, Cid ainda está preso ao Jornal Nacional, 24 anos depois do último “boa noite”. “Não queria sair de jeito nenhum”, reconhece. “Mas vem o fator tempo, o fator aparência. A televisão tem que se reinventar sempre para evitar a queda no Ibope. A TV é um monstro”, diz.

Muito orgulhoso do seu profissionalismo, conta que um dia estava gravando quando foi informado que a sua mãe morrera. “Não parei”, diz. “Você vai abandonar tudo? Já morreu”, exclama.

Cid também se recorda de um momento célebre, o direito de resposta obtido pelo então governador do Rio Leonel Brizola contra a Globo, lido por ele no JN, em 1994: “Li de forma monocórdica, sem ênfase”.

O fato de a Globo ter apoiado a ditadura e ele ter sido o locutor do JN no período mais duro do regime levou muita gente a acreditar que Cid também fosse favorável ao governo militar. Ele não fala de política (“sou apolítico”), mas pede para esclarecer: “Eu lia o que estava escrito”. “Só chegava ali para ler. Não participava da edição. Eu não era editor; era apresentador.”

É o que diferencia Cid Moreira de William Bonner, que o substituiu. O atual âncora já está na função há mais de 24 anos. Mas ele também é editor-chefe, ou seja, tem responsabilidade sobre o conteúdo do que lê. Imagino que um documentário sobre Bonner possa ser mais interessante.

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