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Televisão

MTV foi revolucionária em 1990, mas se perdeu em pegação e tretas

Canal refletia uma geração anterior, mais interessada em música, ao chegar ao Brasil há 30 anos

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A MTV nasceu no Brasil ditando moda. Hoje, sobrevive seguindo moda. Em 30 anos, sua ascensão e queda refletem o jeito de consumir música.

Em 1990, o canal chegou rebocado por uma década anterior em que nunca tinha se vendido tanto disco no país. O RPM desbancou Roberto Carlos. Discos de ouro e platina foram entregues a hitmakers como Paralamas e Kid Abelha, mas também a alguns azarões como Ira! e Biquíni Cavadão.

A MTV Brasil veio alimentar essa engrenagem. E lançou uma profissão, o VJ. Os apresentadores viraram ídolos. Mesmo com sede em São Paulo, o canal fez um estrondo no Rio de Janeiro, onde tinha sinal aberto. Paulistas sintonizavam em UHF e parabólica.

A primeira fornada de VJs parecia seguir a fórmula das boy bands, com tipos diferentes para atrair fãs de vários perfis. Astrid Fontenelle e Zeca Camargo davam verniz jornalístico. Cuca Lazzarotto e Daniela Barbieri eram as bonitinhas. Thunderbird unia a combinação de figuraça cômica com conhecimento musical. O cabeludo Gastão Moreira representava o heavy metal, rito de passagem adolescente.

Os ex-Vjs Dani Barbieri (esq.), João Gordo, Thunderbird, Didi, Cuca, Cazé, Sabrina, Sarah, André Vasco, Astrid e Felipe Solari, em foto de 2013 - Leticia Moreira - 7.ago.2013/Folhapress

Com produto quente (música pop em ebulição) e vendedores certos (VJs que viraram influenciadores), a MTV fez um grande sucesso e seguiu assim por uma década e meia, antes de algum declínio.

Nessa trajetória, foi posta à prova seguidamente. E respondeu bem a muitos desafios. O modelo de playlist foi logo engrossado com programas para agrupar clipes por gênero, com horários para hip-hop, metal, alternativo.

A importação de formatos da matriz americana deu certo, em especial o "Acústico MTV". A apresentação de roqueiros tocando os hits sem ligar os instrumentos na tomada deu resultados inusitados.

Segundo veteranos dos anos 1970 e 1980, o "Acústico MTV" reinventou carreiras. Registros desses programas venderam muito e ressuscitaram o interesse por Titãs, Rita Lee, Capital Inicial e Lulu Santos.

Outro acerto foi o humorístico "Hermes & Renato", uma amostra de piada suja, tosca e cara de pau que qualquer jovem faria em casa. A identificação com o público foi total.

A MTV não teve pudor de reciclar atrações consagradas, como programas de garotos procurando namoradas e competições entre escolas.

Enquanto os VJs se renovavam, com muitos contratados por grandes emissoras e só alguns vingando, a MTV se fortaleceu a ponto de entregar um prêmio anual com categorias disputadas com a avidez da luta por um Oscar.

Mas, nos anos 2000, a força da música foi diminuindo na cultura pop. O canal chegou a enjaular os clipes na madrugada, deixando a grade livre para programas formatados. O maior golpe veio em 2005, com a criação do YouTube.

Com uma concorrência que oferecia qualquer clipe na hora, a MTV perdeu parte de seu faturamento. Mas até reagiu. Resgatou VJs históricos, como Thunderbird, e deu uma revigorada nos humorísticos, lançando Marcelo Adnet, Tatá Werneck e Dani Calabresa.

A saturação do modelo fez a MTV Brasil encerrar as atividades em 2013. Outro grupo assumiu a representação no canal e surgiu então a atual MTV (sem o Brasil no nome).

Enquanto a MTV dos anos 1990 criou personagens na cultura pop e teve a novidade dos clipes, a de agora exibe VJs que não têm a mesma repercussão e preenche a programação com misturas de reality com tretas de rede social.

O que mais representa a subserviência a outros objetos de consumo jovem é o "De Férias com o Ex", com a fórmula batida de sarados e bonitonas em lugares paradisíacos para pegação. Roupas sumárias, festas de alto teor alcoólico, brigas e reconciliação, com muita, muita conversa, porque as gerações das redes sociais opinam a respeito de tudo. Música? Só para animar as festas.

Isso anula o veredito simplório de que a MTV Brasil sempre foi incrível ou que a atual não tem qualidade. A relação dos jovens com a música mudou completamente. A cara que a MTV tem hoje é reflexo de uma geração que não dá a mesma atenção à música que as anteriores. Pegação e tretas atraem quem está na adolescência ou se recusa a sair dela.

Outros canais de clipes também sucumbiram. Hoje, essa TV tem raras opções. Já não há nada que chegue perto do que foi a revolução da MTV Brasil.

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