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'Homem Invisível', de Ralph Ellison, se impõe como um clássico

Tensões raciais abordadas no livro não se dissiparam até hoje e comprovam a atualidade da obra

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Juliana Borges

Escritora, livreira e coordenadora na Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. É autora de 'Encarceramento em Massa' (Jandaíra) e 'Prisões: Espelhos de Nós' (Todavia)

Homem Invisível

  • Preço R$ 64,90 (574 págs.)
  • Autoria Ralph Ellison
  • Editora José Olympio
  • Tradução Mauro Gama

O que faz de um texto um clássico? Para Italo Calvino, "os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos". E assim é a experiência de "Homem Invisível", de Ralph Ellison, lançado em 1952.

Não só se comprovam as críticas que posicionam o romance como um clássico de formação dos Estados Unidos como também se superam as expectativas com a avalanche de reflexões proporcionadas .

Em seu texto, Ellison não esconde que travará uma batalha para ter seu lugar no panteão dos clássicos literários. E é vitorioso em seu intento.

É possível perceber, em passagens e na transição entre capítulos, o jogo de competição da composição jazzística.

A história é ambientada no Harlem, nas décadas de 1920 e 1930, momento vigoroso da "Harlem Renaissance", um movimento que reuniu escritores e artistas negros e em que o orgulho da negritude, a criatividade, a intelectualidade e a luta por direitos eram as principais características.

Fotografia do ensaio do artista Gordon Parks inspirado pelo livro ‘Homem Invisível’, de Ralph Ellison - The Gordon Parks Foundation

Acompanhamos a trajetória de um homem negro que se percebe invisível "simplesmente porque as pessoas se recusam" a o ver —e que desafia sua história ao se compreender complexo e humano, sensível e eloquente.

Muitas são as alusões a sentimentos como frustração, ódio e raiva, em que se estabelecem conexões com produções negras como as de Audre Lorde, Cornel West, Bell Hooks e Brittney Cooper.

Os conflitos da organização coletiva, simbolizada pela Irmandade, representam outro ponto de muitas inflexões possíveis —seja nas passagens com microagressões racistas e uso oportunista de figuras negras, seja no conflito entre uma perspectiva estratégica de futuro e as dificuldades urgentes da realidade.

O clímax traz um capítulo em que um jovem negro, liderança proeminente da Irmandade, renuncia à organização e reaparece como ambulante.

Seu assassinato por um policial branco é estopim para uma revolta, alusão à Revolta do Harlem, ocorrida em 1943 —uma série de protestos que aconteceram por dois dias no bairro após um policial atirar num jovem soldado negro. Os boatos de que fora assassinado foram a gota d'água num ambiente de tensões raciais que não se dissiparam.

Calvino dizia que clássico é o livro que "persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível". "Homem Invisível" não só persiste como rumor, mas a pergunta que encerra seu epílogo se mantém vigorosa. "Quem sabe, nas frequências mais baixas, eu não falo por você?"

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