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Diários de Virginia Woolf revelam suas técnicas de escrita e ambiente social

Trechos da edição do primeiro volume, porém, parecem traduzidos com excesso de literalidade

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Marilene Felinto

Autora de "Mulher Feita e Outros Contos" e "As Mulheres de Tijucopapo". Mantém o site marilenefelinto.com.br

Mais de 40 anos depois da publicação do primeiro volume dos diários de Virginia Woolf na Inglaterra (1977), o título é lançado no Brasil. No original inglês, abrange o período de 1915 a 1919. Na edição brasileira, vai até 1918.

“I cannot make up plots” (“não consigo criar enredos”), diz a escritora inglesa (1882-1941) no volume três dos diários, na página datada de 5 de outubro de 1927.

Em outro volume (o primeiro), enquanto toma chá no salão de um clube em Londres, avista no ambiente o escritor Aldous Huxley, do clássico “Admirável Mundo Novo” (1932), e comenta: “(...) Aldous Huxley e uma moça de veludo cinza estavam tendo o que parecia ser uma conversa particular”.

Informações interessantes assim, sobre a técnica de escrita da autora, seu cotidiano, seus estados de espírito, sua condição psíquica, suas relações amorosas e de amizade, o ambiente social em que viveu são reveladas nos diários que ela escreveu ao longo de toda a sua vida.

virginia woolf de perfil
A escritora Virginia Woolf - Reprodução

A edição integral conta com cinco volumes, escritos entre 1915 e 1941, ano em que Woolf se suicidou, aos 59 anos. Uma seleção de trechos dos diários, “A Writer’s Diary” (diário de uma escritora), foi publicada ainda em 1953 pelo marido de Woolf, Leonard.

Para esta edição brasileira do primeiro volume, a tradutora, Ana Carolina Mesquita, conta que cotejou o texto editado em 1977 por Anne Olivier Bell —mulher de Quentin Bell, sobrinho e biógrafo de Virginia Woolf— com os manuscritos dos diários guardados na Berg Collection, em Nova York.

A tradutora diz ter optado por manter detalhes dos originais não observados na publicação de 1977, como, por exemplo, quebras de parágrafos que não existiam nos manuscritos. E manteve o “&” que Woolf usava nos diários, no lugar da conjunção “e” (uso comum em inglês, em escritos informais, mas não em português).

Nenhum desses preciosismos acadêmicos altera, porém, o que de fato importa —o conteúdo do texto, inclusive no que ele indica dos exercícios literários ou estilísticos da escritora.

Os textos dos diários situam Woolf numa realidade que nos aproxima dela e serve de elemento a melhor compreensão de sua obra. Neles encontra-se algo para além do “mundo vago e onírico” de seus romances —como ela mesma define em carta à amiga Madge Vaughan: “(...) minha sensação atual é de que esse mundo vago e onírico (...) é o mundo que realmente me importa” .

Autora dos geniais “Passeio ao Farol” (1927) e “Orlando” (1928), resultado de sua arte de narrar “finíssima e requintada”, Woolf trata o tempo, em seus romances, como medida ideal, em palavras de Otto Maria Carpeaux.

Segundo ele, “nos seus romances, o tempo físico não existe, nem o dos dias em ‘Mrs. Dalloway’ nem o dos séculos em ‘Orlando’”. E nos quais o enredo “é apenas pretexto para revelar a presença de passados inteiros e mundos inteiros num momento do fluxo da consciência ou subconsciência dos personagens”.

Quanto à tradução desta edição do primeiro volume, alguns trechos parecem traduzidos com excesso de literalidade.

É o caso, por exemplo, de “it's odd how fate crams money into our mouths when we’ve got enough, & starves us when we’re empty” (Penguin Books, 1979), traduzido como: “estranho como o destino enfia dinheiro boca abaixo quando temos o bastante & nos deixa à míngua quando não temos nada” (p. 91).

A simples ausência do possessivo “our” (nossas) já compromete o sentido da frase. E “enfiar dinheiro boca abaixo” soa muito estranho em português.

Frase pescada ao acaso, mas há outras, que, no entanto, não comprometem o todo do trabalho. A publicação aqui, ainda que de um único volume, deve ser aplaudida, dada a importância da obra de Virginia Woolf na literatura mundial e do registro histórico que os diários também representam.

Woolf foi figura central no círculo de intelectuais da aristocracia inglesa conhecido como o “grupo de Bloomsbury”, poetas, escritores, filósofos contestadores da moral puritana, defensores de novos comportamentos sociais, do acolhimento de sexualidades diversas e sensibilidades artísticas para além do seu tempo.

Os Diários - Volume 1

  • Preço R$ 70 (344 págs.)
  • Autoria Virginia Woolf
  • Editora Nós
  • Tradução Ana Carolina Mesquita
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