Duas árvores secas, quase sem folhas. Chiara, vivida por Bárbara Lennie, caminha pela floresta de cores opacas, estaciona diante de uma pedra imponente, que inspira alguma solenidade. Agachada, ela olha para um buraco
A lógica narrativa sugere que a cena seguinte revelará o que há dentro do buraco. Mas o corte nos leva para um luxuoso palácio europeu, com mármores, amplos espaços. Anabel —Susi Sánchez— aparece imponente. Caminha determinada. Mas tropeça. É a maneira que o diretor e roteirista Ramón Salazar escolhe para nos apresentar os universos contrastantes das duas personagens sem dizer uma palavra.
Assim começa “O Vazio do Domingo”, de 2017.
Mais tarde descobrimos que Chiara e Anabel são mãe e filha. Chiara foi abandonada aos seis anos de idade e busca o contato para fazer um pedido: “Quero que passe dez dias comigo”.
O filme preenche esses dez dias de conflito com sutileza. Os figurinos, a evolução paciente das personagens, os diálogos sensíveis e os belíssimos planos do diretor de fotografia Ricardo de Gracia ajudam a contar a história usando imagens, intenções e silêncios. Tudo contribui para manter presente em todo o filme uma camada de suspense e encantamento.
A atriz Susi Sánchez, presente em muitos filmes de Almodóvar, ganhou o Prêmio Goya em 2019 pela sua interpretação de Anabel. Sánchez descreve assim sua personagem em um vídeo de divulgação: “Ela vive num mundo completamente elitista, de altíssimo luxo. Ela chegou fugindo de um passado que quer ocultar e vive com essa contradição De um lado, sua origem, seu instinto, tudo aquilo que ela quer tapar. Para isso, criou uma máscara com a qual se mostra para a sociedade e para o mundo que criou".
"O encontro de Chiara com a mãe é um encontro entre duas mulheres adultas", continua ela. "Uma delas, que sou eu, sabe que tem uma dívida pendente muito forte. Anabel vive uma segunda oportunidade para remendar o erro que cometeu com Chiara. E esse encontro não serve apenas para Chiara, pois Anabel pode recuperar seu instinto de mãe.”
Bárbara Lennie, que interpreta Chiara, explica assim, em outro vídeo: “É como uma relação de duas desconhecidas que lidam com o desconcerto que uma produz na outra. Variando entre o desprezo, a admiração, a curiosidade”.
“O Vazio do Domingo” é um filme linear. Tudo é revelado, aos poucos, com clareza. Não demanda conexões sofisticadas para ser compreendido. Seu mérito é caminhar pelas pausas, pelos contratempos, pelos caminhos menos óbvios.
Faixas extras
Depoimento de Susi Sánchez sobre 'O Vazio do Domingo' (Caramel Films)
Depoimento de Bárbara Lennie sobre o filme (Caramel Films)
Depoimento do diretor Ramón Salazar sobre o filme
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