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Mônica Salmaso

Lives foram o meu remédio na pandemia, escreve Mônica Salmaso

Cantora, que publicou um vídeo por dia interpretando canções com convidados, compartilha sua experiência no período

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Mônica Salmaso

Cantora, lançou mais de 15 discos

Desde que foi anunciado o primeiro caso de Covid no Brasil, entendi que estávamos por atravessar um momento com proporções de guerra, de grande deslocamento e de quebra do que seria o nosso “futuro presumido”, aquele com que contávamos.

Eu e minha família tratamos de nos organizar para reduzir ao essencial os custos mensais e nos mudamos pelo tempo que fosse preciso para uma casa no interior de São Paulo, com mais espaço e menos despesas.

A cantora Mônica Salmaso - Paulo Rapoport/Divulgação

No nosso caso, dois músicos autônomos, a falta de trabalho foi imediata. Vivemos, sobretudo, de shows presenciais. Tínhamos uma agenda para o ano todo que foi suspensa, adiada ou, na maioria dos casos, cancelada.

Tínhamos uma reserva financeira, e nossa reação primeira foi a de tirarmos uma espécie de licença sabática na intenção de fazer algum bom uso desse tempo obrigatório. Ler livros, assistir a filmes, idealizar projetos futuros. Eu realmente li muito este ano —não só em quantidade, mas em qualidade, sensibilizada por tudo o que está havendo, recebendo a arte com toda a sua força e potência humanizadora, transformadora, acolhedora dos afetos e das angústias.

A duração dessa pandemia gerou mudanças em relação ao nosso ânimo inicial. Momentos de profunda tristeza e raiva pela forma com que o Brasil enfrenta essa calamidade e de falta de vontade de reagir se alternam com momentos de vontade de fazer algo que seja uma semente para o futuro, de acreditar neste futuro, de fazer parte de um coletivo e ajudar os que estão mais apertados.

Mas algo muito bonito e maior do que eu podia prever atravessou o ano comigo e me salvou muitas vezes, o "Ô de Casas", que não nasceu exatamente como um projeto.

Por volta de 20 de março do ano passado, início da pandemia no Brasil, eu assisti a uma live no Instagram do meu amigo Alfredo Del Penho. Quando apareceu o meu nome entrando na live, alguém comentou e ele me convidou para participar dela. Uma felicidade, já que o isolamento me impedia não só de ver amigos e parentes e de fazer o meu trabalho, mas também de fazer qualquer realização musical a não ser em conjunto com o meu marido, Teco Cardoso, dentro de casa.

Foi aí que tentamos cantar uma música juntos e o delay de sinal de internet deixou bem claro ser impossível sincronizar a distância algo feito na hora.

A tentativa foi carinhosa e afetiva, mas deixou essa frustração em mim até a manhã seguinte, quando tive a ideia de convidar o Alfredo para fazermos um vídeo juntos. Nele, cada um gravaria a sua parte individualmente, obedecendo a um planejamento de quem gravaria primeiro e quem gravaria em seguida, interagindo com o vídeo anterior. O vídeo seria editado de forma que pareceríamos estar nos encontrando, por causa das divisões musicais e dos olhares.

Era uma brincadeira, mas tinha a função de nos fazer um bem, de proporcionar uma visita, digamos, musical. Conseguimos, depois de desvendar (com tutoriais e a ajuda remota de amigos) um aplicativo gratuito e simples de edição de vídeo no celular.

Assim foi feito e postado no Instagram e no Facebook, em 22 de março, o primeiro vídeo do "Ô de Casas", nome que me ocorreu de cara, pensando na imagem de vizinhos que chegam às portas de ambos os lados e, ainda, das casas das pessoas que nos veriam.

Não sei como isso aconteceu. Só sei que do dia seguinte até o nº 74, foi feito e postado um vídeo diário. Depois eles passaram a ser espaçados, hoje estamos no nº 157.

O movimento que isso criou em mim, ao conseguir me encontrar com meus amigos e com pessoas maravilhosas que admiro e que também estavam paradas em suas casas, o retorno de bem-estar, de afeto e de agradecimento que passamos a receber, de ampliação de público de todos e de aprendizado de novas músicas, tornou essa produção o meu próprio remédio.

Como desdobramento, quatro bordadeiras do Sul abriram um convite coletivo para bordadeiras e bordadores do Brasil para que cada um escolhesse um vídeo e fizesse um bordado livre.

O público do "Ô de Casas", em um número enorme de inscritos atendeu ao chamado, e eu recebi o presente mais maravilhoso que já vi um artista receber –125 bordados dos mais variados estilos, de lugares do Brasil inteiro, feitos, ponto a ponto, a partir daquilo que construímos para visitar as pessoas. Troca de arte, troca de afeto. Estou desenhando um projeto para fazer um livro e uma exposição desses bordados para que eles possam ser vistos.

A pandemia ensina que somos um coletivo a quem não se nega a ver a realidade. Entendo que temos a obrigação moral, para dizer o mínimo, de sairmos dessa experiência modificados e conscientes.

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