My Bloody Valentine criou estilo musical com 'Loveless', disco que chega ao streaming

Grupo irlandês famoso pelo gênero 'shoegaze' lança discografia nas plataformas digitais e anuncia dois novos álbuns

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Porto Alegre

Há 30 anos, Kevin Shields vive com um zumbido constante nos ouvidos. Líder de uma banda tão influente quanto popular no panorama do rock alternativo das últimas décadas, ele adquiriu o incômodo que lhe roubou o silêncio quando terminava de mixar “Loveless”, disco responsável por pôr o My Bloody Valentine na história e praticamente inventar um estilo de música.

Com o passar do tempo, o sibilo ficou mais alto. “A audição de todo mundo fica pior quando se envelhece. Por outro lado, seu cérebro também muda o tempo todo e, tipo, obviamente, quando eu tinha 20 anos eu podia ouvir coisas que não podia mais ouvir aos 30, mas com 30 eu podia ouvir muito mais do que aos 20, sabe?", ele conta, numa entrevista por Zoom sem vídeo, só com áudio.

"Minha audição se deteriora, mas meu cérebro melhora. É um balanço estranho, que ainda está acontecendo para mim.”

A banda irlandesa de shoegaze My Bloody Valentine, em foto do início da década de 1990
A banda irlandesa de shoegaze My Bloody Valentine, fotografada no estúdio de gravação, no início da década de 1990 - Steve Gullick

Aos 58 anos, Shields aparece pouco em fotografias recentes, de forma a manter o foco dos ouvintes no My Bloody Valentine ou em sua esparsa produção solo. Mas neste ano o vocalista e guitarrista vem falando com a imprensa mundial para anunciar que os três discos da banda e mais uma compilação de canções anteriormente lançadas em EPs estão finalmente disponíveis nos serviços de streaming.

O quarteto acaba de assinar com a gravadora britânica Domino, e pela primeira vez é possível ter acesso às três obras-primas da banda —os discos “Isn’t Anything”, de 1988, “Loveless”, de 1991, e “MBV”, de 2013— com poucos cliques. Não era por uma questão ideológica que eles estavam fora do streaming, Shields conta, e sim por não se importar com isso e por ter ficado alguns anos sem gravadora, à espera da ocasião para disponibilizar os álbuns da maneira adequada. Os três álbuns, esgotados, também estão ganhando reedições em vinil e CD.

Formada no início dos anos 1980, em Dublin, por Shields e pelo baterista Colm Ó Cíosóig, o My Bloody Valentine começou como uma banda gótica qualquer, de sonoridade pós-punk meio genérica. A guinada se deu a partir de “Isn’t Anything”, o segundo disco cheio, no qual as guitarras ensurdecedoras vieram aliadas aos vocais delicadíssimos de Bilinda Butcher e a melodias etéreas inspiradas por Cocteau Twins. A fórmula atingiu a perfeição em “Loveless”, um álbum que mais parece uma aparição, algo fantasmagórico.

Nesse disco, os vocais de Butcher e Shields se alternam de forma imperceptível, como anjos cantando numa língua própria, sobre guitarras que passeiam por melodias, ritmos, texturas e efeitos. “Loveless” levou cerca de dois anos para ser feito, e suas 11 músicas são um marco do rock contemporâneo, pois ajudaram a criar um estilo conhecido como “shoegaze” —diz a história que os guitarristas do gênero tocavam olhando para o chão, ocupados com os pedais. Uma das faixas do álbum, “Sometimes”, está na trilha de “Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola.

Como Shields enxerga sua obra máxima, no ano em que se completam três décadas de seu lançamento? “Um pouco diferente a cada vez. O disco muda o tempo todo para mim. Sabe com o que se parece? Todos acordam de manhã e olham para as suas caras no espelho, e ela muda a cada vez, não é? Eu pareço muito cansado, eu pareço bem, eu pareço mal. Todo mundo está sempre um pouco surpreso e um pouco preocupado." Ele afirma não ter essa relação tão viva com os outros dois discos.

Shields conta que a banda está agora gravando dois novos álbuns, um baseado em canções e outro mais experimental. Ambos devem ficar prontos até o final do ano. Também estão previstos EPs ou lançamentos em paralelo. É bastante para um grupo que não lança música inédita há oito anos, e que antes disso deixou um hiato de mais de duas décadas entre “Loveless” e “MBV”, disco lançado de surpresa numa madrugada em 2013, para catarse dos fãs, que derrubaram o site da banda de tantos acessos.

“Estou completamente entediado comigo mesmo por não terminar um álbum neste ponto. Sabe, tipo, estou além de cansado disso. É difícil de explicar. Mas estou muito, muito ansioso para lançar novas músicas agora. Não é pressão, é mais uma necessidade, uma necessidade que eu não tinha.”

A banda irlandesa de shoegaze My Bloody Valentine, em foto de 1988
A banda irlandesa de 'shoegaze' My Bloody Valentine, em foto de 1988 - Paul Rider

Segundo ele, há várias guitarras espalhadas pela sua casa no interior da Irlanda, de modo que seu problema não é ter ideias e escrever novas músicas, mas sim se pôr numa situação para fazer um disco do início ao fim. “Para mim, gravar sempre foi mais sobre compor no estúdio e ser criativo naquele ambiente”, afirma Shields, acrescentando que nunca gostou de ensaiar antes de ir para o estúdio.

Durante a gravação de “Loveless”, o My Bloody Valentine virou lenda por estourar o prazo alocado em estúdio pela gravadora Creation, o que teria gerado imensos prejuízos financeiros ao selo. Independente disso, o disco virou um clássico instantâneo, influenciou dezenas de bandas dentro e fora do Reino Unido e segue sendo descoberto pela nova geração —a maior parte do público que vai aos shows da banda hoje está na faixa dos 18 aos 22 anos, diz o guitarrista.

“Para ser honesto, estamos gratos, sabe, muito agradecidos porque as pessoas se importam. Estamos muito contentes. É isso.”

'Isn't Anything' (1988), 'Loveless' (1991), 'mbv' (2013) e 'EP's 1988-1991'

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