Descrição de chapéu Cinema

Angeli quer matar Bob Cuspe em animação selecionada para o Festival de Annecy

Filme de Cesar Cabral entra na mente do quadrinista, que se tornou um deserto pós-apocalíptico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Um deserto de ideias na cabeça do cartunista Angeli, ironicamente, encheu de planos o cineasta Cesar Cabral. Foi a partir de uma crise criativa e de uma vontade do artista de matar um de seus personagens mais famosos, o punk oitentista Bob Cuspe, que Cabral resolveu escrever o filme “Bob Cuspe - Nós Não Gostamos de Gente”, selecionado para o Festival de Annecy, o mais importante dedicado à animação no mundo.

O evento francês está marcado para começar no próximo dia 14, de forma presencial, e na mostra competitiva Contrechamp, a segunda mais importante, o longa veste a camisa do Brasil ao lado da compatriota Ducca Rios, com seu “Meu Tio José”.

“É onde qualquer animador quer chegar”, resume Cabral, que, por causa da pandemia, descartou a possibilidade de levar o filme em pessoa a Annecy. “É uma pena.”

Ele já participou do evento com outros trabalhos, em anos recentes que têm visto o aumento da presença brasileira no universo do cinema animado. Em Annecy, aliás, o país conquistou o prêmio máximo tanto em 2013 quanto em 2014, com os longas “Uma História de Amor e Fúria” e “O Menino e o Mundo”.

Feito em stop motion, “Bob Cuspe” mistura ficção com documentário ao apresentar para o público um boneco de Angeli. Ele fala sobre a vontade de matar o punk esverdeado que dá nome à obra, e que logo é posto em cena, habitando um mundo pós-apocalíptico —a própria imaginação do cartunista deste jornal.

“Estar em uma mostra competitiva no festival de um país que é símbolo da defesa da cultura, da arte e da liberdade, em um momento como este, e com uma história autobiográfica de um punk underground, é um ato de resistência”, comemora Angeli. “A sensação é de uma escarrada bem dada nessa turma obscurantista que está por aí. Como disse Fernanda Montenegro, estamos vivos. Nós não vamos acabar.”

Criado nos anos 1980 e sucesso de vendas nas páginas da revista Chiclete com Banana, Bob Cuspe agora aparece velho, abandonado e ameaçado pelo mundo do pop. Essa modernidade é ilustrada por mini-Elton Johns, com roupas coloridas e óculos extravagantes, que podem parecer fofos, mas escondem dentes afiados prontos para devorar o movimento punk.

“O punk era o oposto do glitter do Elton John, mas isso não é nada pessoal, essas criaturas mutantes são apenas astros do pop”, diz Cabral. A sacada dá ao filme uma ironia que é intrínseca à obra do próprio Angeli, apresentado na trama como um assassino de personagens. Ao perceber o risco que corre, Bob Cuspe então parte em busca de seu criador para tentar sobreviver à sua ira.

Essa não é a primeira vez que Cabral se debruça sobre a obra do quadrinista. São dele também o curta “Dossiê Rê Bordosa”, em que Angeli planejava o assassinato da personagem desbocada, e a série “Angeli The Killer”, em que ele e suas criações davam entrevistas. Ambas também recorreram à técnica de stop motion.

Foi por sugestão do próprio cartunista que, em 2012, Cabral começou a pensar em “Bob Cuspe”. Mas, desta vez, queria ser mais ambicioso e contar a nova história num longa-metragem. Foram cinco anos de produção do filme, que aguardava o fim da conversa do cineasta com o repórter para ser finalizado, na semana passada.

Em média, foram produzidos cinco minutos de filme por mês, graças a uma equipe de 30 pessoas. O stop motion, em que bonecos e cenário precisam ser movidos lentamente, quadro a quadro, para que pareçam estar em movimento, é uma técnica trabalhosa e lenta, conta Cabral, que a conseguiu usar neste trabalho e dedicar a ela tanto tempo graças a uma verba do Fundo Setorial do Audiovisual, o FSA.

Segundo ele, essa onda recente de sucessos animados brasileiros é fruto do programa, paralisado nos últimos anos. “Foi o FSA que abraçou toda a cadeia de produção e permitiu que produtores se organizassem para ir além do mercado publicitário, para fazerem filmes e séries”, afirma.

Sua presença em Annecy, diz Cabral, é fruto do passado, já que a animação é um gênero que demora a ser produzido. Os sucessos nacionais de agora, conta, são o resultado de verbas liberadas em anos já distantes. Com o fundo trôpego como atualmente, o cineasta não está otimista quanto ao futuro do gênero no Brasil.

Depois do festival francês, “Bob Cuspe” tentará garantir distribuição em outros países. Por aqui, a previsão é que o público possa encontrar o punk de Angeli no final do ano, quando ele deve chegar às salas de cinema.

Bob Cuspe - Nós Não Gostamos de Gente

  • Quando Previsão de estreia em dezembro
  • Produção Brasil, 2021
  • Direção Cesar Cabral
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.