Em 1994, Carlos Nader teve uma ideia bem simples: iria a um posto de gasolina qualquer, pegar carona com um caminheiro qualquer. Começaria puxando um assunto qualquer para, de repente, engatar num papo metafísico. “Você não acha que a vida é absurda?” “Você não tem dúvidas se às vezes está sonhando ou se isso aqui que estamos vivendo é real?”
Em documentários, muitas vezes, a ideia inicial se transforma ao longo do processo. Foi o caso de Nader. As respostas dos caminhoneiros foram monossilábicas, desprovidas de qualquer traço de subjetividade. A maioria se contentou em responder “não”.
Nader, então, resolveu apostar em um personagem, Nilson de Paula, para encontrar outras maneiras de responder a essas perguntas. “Homem Comum” foi feito ao longo de 20 anos. Acompanha o envelhecimento de Nilson, a morte da sua mulher, o crescimento de sua filha, percorre os caminhos imprevisíveis que a vida sempre toma.
Mas faz isso de uma maneira muito original. Nader insere cenas da surreal ficção dinamarquesa “A Palavra”, de Carl Theodor Dreyer, de 1955, e costura uma montagem que, por contraste, vai conferindo novos significados a cada cena. A religiosidade, a passagem do tempo, a memória, o destino, o acaso, as relações familiares, os sentimentos que ficam guardados e a morte ficam entranhados, de forma indireta, em cada sequência.
Passados 20 anos de filmagem, Nilson de Paula continuava sem formular uma frase que respondesse às inquietações de Carlos Nader. Mas não importa, pois o filme é preenchido com esse diálogo o tempo todo. Mesmo quando essa pergunta não é verbalizada.
“Além de relacionar palavras, fotogramas, planos, cenas, ‘Homem Comum’ estabelece‑se como um filme que é sempre constituído pela relação de dois outros filmes diferentes. Ao documentário sobre o passado de um caminhoneiro paranaense justapõe‑se um outro documentário sobre o seu futuro. À ordinária vida filmada desse caminhoneiro, interconecta‑se a teatralidade do grande clássico dinamarquês, 'Ordet' ['A Palavra'], de Carl Theodor Dreyer. Às cenas desse Ordet real, lindamente filmado em 1955, refletem‑se as de um 'Ordet' fake, novelesco, realizado em 2012 na Inglaterra”, explicou Carlos Nader num texto para o lançamento do DVD de “Homem Comum”.
Além de “Homem Comum”, o recém-inaugurado Itaú Cultural Play traz mais três filmes de Carlos Nader no catálogo: “Pan-Cinema Permanente”, que faz um retrato criativo do poeta Wally Salomão, “A Paixão de JL”, um ensaio poético a partir de fitas cassete gravadas pelo artista visual José Leonilson, e o sarcástico curta “Tela”.
Todos de graça. O Itaú Cultural Play não cobra assinatura, basta apenas fazer um cadastro simples.
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