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'Tudo É Rio' tem trama com estilo de folhetim e certo tempero de fábula

Personagens de Carla Madeira são figuras com pouca densidade psicológica, e romance resulta trivial

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Luís Augusto Fischer

Professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de 'A Ideologia Modernista', da Todavia

Tudo É Rio

  • Preço R$ 49,90 (210 págs.)
  • Autoria Carla Madeira
  • Editora Record

O silêncio permaneceu imóvel. O esquecimento começava a jogar seu manto. É destino da intimidade abrir passagem para a indelicadeza. A boca fez um silêncio delicado.

Essas frases são poéticas? Quem responder positivamente é o leitor certo para "Tudo É Rio", de Carla Madeira. As frases desse postulável teor poético estão espalhadas pelo texto todo, que encanta certo tipo de leitor (o mesmo que celebra Isabel Allende). Mas os personagens são muito próximos do "tipo", figuras com pouca densidade psicológica, e o romance resulta trivial.

É um romance, com um nítido triângulo amoroso em seu centro, mas com estratégias de folhetim e um tempero de fábula.

mulher de olhos claros e cabelos cacheados castanho-mel
A escritora Carla Madeira, autora do livro 'Tudo é Rio' - Cristina Cortez/Divulgação

A história se passa numa pequena cidade arquetípica, num tempo indefinido, e o andamento do enredo depende de muitos clichês do gênero das telenovelas —recados que chegam abruptamente, filiações obscuras, maldições inescapáveis, determinismos familiares, raivas súbitas e paixões insopitáveis, tudo convergindo para um final apaziguador, com direito a um abismo emocional na véspera do desfecho.

Lucy é a prostituta irresistível, que perdeu os pais cedo e foi criada com frieza por uma tia, motivo dado como suficiente para sua escolha profissional. Venâncio é o homem bruto interiorano, hábil marceneiro, com um pai violento que origina um fatal temperamento rude no filho. E Dalva é a moça misericordiosa, desde sempre amiga dos animais extraviados e machucados, criada em família amorosa, que vai casar com Venâncio e sofrer muito, até a redenção final. O bem vence o mal.

Toda a trama tem como nó inicial a inesperada recusa de Venâncio aos encantos de Lucy, no bordel da cidade. Ninguém a rejeitava, nunca, e pelo contrário. Lucy não desiste enquanto não dobra essa resistência. Quando ela está no centro das ações, o romance confere a ela uma consciência corporal e sexual de fato ousada, poderíamos dizer feminista, o que não será dos menores motivos de apreço do leitor interessado.

Madeira mostra domínio dos meios expressivos, na linguagem e nas variáveis estruturais da narrativa, que rendem passagens de discurso indireto livre muito bem construídas. Há também momentos em que um ou outro personagem ameaça se converter numa figura mais complexa, capaz de acrescentar à experiência da leitura mais do que o passatempo.

Mas o domínio geral é do estilo folhetinesco, que será capaz de sustentar, quem sabe, uma série adulta bem filmada, a ser vista em maratona de fim de semana e logo esquecida.

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