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Artes Cênicas

'Clareana' representa quem resistiu e agora decide sair da sombra

Espetáculo presencial impressiona pelo domínio de cena da atriz e por não enveredar pela redenção ou pela explicação

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Quinze meses depois, o teatro retornou a Nova York com "Springsteen on Broadway" no último sábado de junho. Ainda não é "Hamilton" ou "Hadestown", que só voltam em setembro, após o verão, mas o teatro St. James ficou lotado, 1.721 espectadores, a maioria sem máscara, todos vacinados.

Dias antes, o governo nova-iorquino mudou a regra e liberou, além dos imunizantes americanos, aqueles aprovados pela Organização Mundial da Saúde, como AstraZeneca e Coronavac. A Broadway não rasga euro nem yuan.

No mesmo dia e horário, 12 espectadores se reuniram no Espaço Cultural Brica Braque, na Vila Madalena, em São Paulo, para ver "Clareana". Não se exigiu vacinação, mas foi mantido o intervalo de uma cadeira e todos usavam máscaras —ainda que uma espectadora tenha abaixado a sua durante a apresentação.

Mulher branca de cabelos castanhos longos e lisos com saia feita de sacos de lixo pretos diante de fundo preto
A atriz Dani Moreno em cena da peça 'Clareana', de Marcello Airoldi - Priscila Prade/Divulgação

Além dos 12, o pequeno espaço foi ocupado pela atriz Dani Moreno, sem máscara, a alguns metros de distância, o autor e diretor Marcello Airoldi e os técnicos Cesar Pivetti, que criou a iluminação, e Dugg Mont, que fez a direção musical, os três mascarados.

Duas coisas impressionaram mais, neste retorno ao teatro presencial após tanto tempo. Primeiro, o comando da atriz sobre o texto e a cena. Ela entra e sai da narração, como quem relata os fatos que levaram a um crime. Fala como se estivesse se dirigindo a cada um, na plateia a poucos metros.

Também o texto impacta, como se fosse uma extensão do noticiário recente sobre o abuso de crianças pelos mais próximos, por vezes com a conivência de suas mães, num fenômeno que talvez reflita o isolamento.

A peça só vai revelando aos poucos do que se trata, seguindo a jornada da mãe —ainda que, ao começar, já exista um buraco na barriga, um aperto que se mantém, intermitente, ao longo do relato.

Não é peça de redenção, pelas pistas que texto e interpretação vão dando, levando o espectador a também vivenciar aquilo. E não busca explicação. É como um urro crescente, com a consciência vindo à tona e desenrolando fatos, até culminar em desgraça.

Uma ou outra passagem soa externa à situação, como quando a mãe comenta a própria culpa, descreve e racionaliza uma sensação em lugar de a expressar. Mas nada que atrapalhe o andamento do monólogo de menos de uma hora.

O cenário opta pelo mínimo, um piso que é um extenso plástico escuro de construção, solto, remetendo à lama em que a mãe arrasta os pés e se prende, ao deixar o confessionário, mais uma cadeira simples, usada para representar de tudo.

A sala é bem resolvida, apesar do tamanho, sem problemas técnicos flagrantes. A qualidade do espetáculo de Airoldi e Dani Moreno parece indicar um florescimento, de quem resistiu e agora sai da sombra.

As sessões de estreia foram no fim de semana. "Clareana" volta em agosto no mesmo espaço, a depender, talvez, da variante delta.

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