Descrição de chapéu Moda

Equipamentos médicos viram item de moda e dão verniz moderninho a desfile

Macacão impermeável com pinta sci-fi, feito para hospitais, virou coleção do estilista baiano Gefferson Vila Nova

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São Paulo

A roupa mais vista nesta pandemia não saiu das passarelas, tampouco virou acessório de moda nas ruas. Pelo menos até agora.

O EPI —Equipamento de Proteção Individual—, um macacão impermeável com pinta sci-fi que o mundo se acostumou a ver em filmes e encheu corredores de hospitais como peça de primeira necessidade, virou coleção nas mãos do estilista baiano Gefferson Vila Nova, de 39 anos, um dos destaques da próxima edição do evento de desfiles Casa de Criadores.

Sua escolha não foi aleatória. Entre março e setembro de 2020, ele trocou o tecido de algodão pelo TNT quando costurou mais de 400 peças —entre macacões e aventais— para médicos de Salvador que encomendaram EPIs num momento de escassez de insumos têxteis e falta desse tipo de roupa nos centros médicos.

Parte das encomendas viraria doação, dos próprios médicos, para o Complexo Hospitalar Irmã Dulce, na capital baiana.

“Era crítico. Faltava muito e sobravam pacientes. A única coisa que sabíamos era que o tecido deveria ser impermeável, mas não havia material disponível. Rodei por casas de tecido, cogitei usar tyvek [um material à prova de fogo], até que o TNT virou opção possível”, lembra o estilista.

Seus EPIs, porém, não eram comuns. Para além do aspecto funcional de impedir a contaminação pelo vírus da Covid-19, eles traziam o elemento estético faltante para a maioria das peças distribuídas pelo governo e que era fruto da experiência de Vila Nova em desenho industrial.

O capuz era específico para fazer caber penteados afro, os cortes laterais permitiam mobilidade aos médicos na correia dos hospitais e a modelagem, inteiramente feita sem costura, conferia aspecto fashionista ao uniforme de trabalho.

“A maioria das roupas, e principalmente essas de uniforme, não levam em conta as particularidades de quem usa. Criei gorros destacáveis para aplicar no EPI, por exemplo, porque podiam se ajustar aos ‘dreadlocks’ e aos cabelos volumosos sem amassar”, conta.

Os modelos fizeram sucesso e a ideia se desdobrou para aventais, que tinham cavas e foram construídos a partir de formas retangulares, com geometria retirada dos cálculos de modelagem das parcas, que oferecem como principal benefício o fato de não ficar apertadas nos corpos e, ao mesmo tempo, ter um caimento melhor.

“Percebi que detalhes simples poderiam fazer diferença. Não são roupas com gênero definido, e também não foram criadas para ser, mas com pequenas alterações poderiam se tornar menos feias e levar alguma beleza para um dia a dia difícil como o deles”, afirma.

Essa experiência incomum à carreira de um estilista deu novo gás a Vila Nova, que havia decidido largar a moda em 2017 depois de vários anos sendo renegado pelo mundinho da costura que, ele diz, “além de não aceitar ver um estilista-modelista negro”, um tipo de designer associado à alta casta do design de moda, teria tratado com indiferença suas roupas quando as apresentava em desfiles.

“Sempre foi muito duro ver que, por mais que tivesse construído uma clientela, que meus desfiles fossem bem produzidos e eu me esforçasse para mostrar roupa de qualidade, a indústria não me via como um nome possível dentro do sistema, que é racista, xenófobo e elitista”, afirma.

Outro motivo que fez com que desacreditasse do próprio ofício, conta, foi a forma com a qual a indústria encaixava seu trabalho, essencialmente urbano e descolado da ideia de resgate da ancestralidade negra. “Uma figura muito importante chegou a me questionar o porquê de eu, estando na Bahia, criar roupas como as minhas, como se eu não pudesse ir além das minhas raízes.”

A reestreia na Casa de Criadores, marcada para o dia 29 de julho, será uma espécie de libertação para o estilista, que hoje já planeja a retomada dos negócios por meio de uma loja online e, no futuro, um ponto físico em Salvador que servirá de ateliê. As peças também já estão sendo negociadas com lojas multimarcas de São Paulo.

Os mesmos elementos utilitários usados na mesa de corte dos EPIs serviram de base para ele. As parcas são elementos fundamentais na série de 22 looks que serão exibidos em formato virtual e exploram as amarrações de cordões e as modelagens usadas nos equipamentos de proteção.

Shorts curtos, camisas de alfaiataria e camisetas cortadas na diagonal são exemplos fora do guarda-roupa hospitalar que dão verniz moderninho às peças.

A cartela de cores é enxuta e similar à dos tecidos de TNT, com uma série de branco, azuis e cores quentes, a exemplo do laranja e o amarelo, tonalidades pouco disponíveis no mercado naquele primeiro semestre do ano passado.

O mesmo corte sem gênero definido também será explorado por Vila Nova, que não enxerga mais a divisão entre roupa masculina e feminina desde que teve de adaptar sua tesoura à realidade pandêmica dos hospitais.

“Depois que o cliente chega à arara, é ele quem decide se a roupa é adequada ou não para ele, independentemente do gênero. É uma coleção para ser prática como um EPI, com uma cara desconstruída, mas precisa nos recortes”, afirma o estilista.

Ele não estará sozinho nessa onda de gênero fluido. A quebra de padrões sobre certo e errado no guarda-roupa já é uma corrente mundial, que levou o seio da indústria a se alinhar aos ventos de mudança.

“Roupa boa não é mais aquela que obriga a se encaixar. Não quero me encaixar. A pandemia me ensinou que estamos num momento de revisão dos códigos da moda, e a roupa é quase uma armadura desses novos tempos.” Ou mesmo um equipamento de proteção individual.

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