Artista alemão faz ode à natureza com esculturas douradas que hipnotizam

Mostra faz panorama da carreira de Heinz Mack, fundador do grupo Zero e artista pioneiro da arte cinética e da land art

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São Paulo

Num canto da sala, estão blocos maciços de cerâmica banhada em ouro. Ao lado, um grande cubo de bronze sem duas de suas faces. Um pouco mais distante, colunas retangulares, como se fossem estacas de pau fincadas no chão, só que de aço e acrílico, com a superfície estilizada. Por todos os lados, sólidos geométricos brilhantes que refratam a luz como num laboratório de efeitos ópticos.

As esculturas, espalhadas por dois andares da galeria Nara Roesler, em São Paulo, são algumas das 32 peças exibidas ali por Heinz Mack, artista plástico alemão que ajudou a fundar o grupo Zero em 1957.

Organizada por Matthieu Poirier, historiador da Universidade de Sorbonne, em Paris, “Paragold” é a primeira exposição individual de Mack no Brasil. Aberta até o dia 30 de outubro, a mostra busca sintetizar o trabalho do artista que, no contexto do pós-Guerra, decidiu romper com os princípios clássicos da pintura europeia.

Para isso, no entanto, primeiro Mack teve de conhecer essa pintura —o que só aconteceu com sua chegada a Paris nos anos 1950. Estudante da Academia de Belas Artes de Dusseldorf à época, a capital francesa foi a primeira cidade sem ruínas que Mack visitou. “Na Alemanha do pós-Guerra, não apenas a cidade estava em ruínas, mas tudo tinha um vazio cultural. Cultura já não existia mais”, ele afirma, numa conversa com o curador em vídeo reproduzido na galeria.

Quando retornou à Alemanha e contou ao seu professor que tinha ficado impressionado com as obras de Matisse, Picasso e Miró, recebeu como resposta um olhar estranho. Ninguém ali conhecia aqueles artistas.

Ele então se dedicou a reproduzir os princípios da composição dessas pintura. Mas, ao final daquela década, frustrado com a mesma tradição que havia conhecido em Paris, ele estava certo de que devia "esquecer tudo o que tinha aprendido e recomeçar do princípio, a fim de poder trilhar caminhos até então desconhecidos”, ele afirma, em entrevista.

Foi esse o impulso que o levou a criar, junto com o colega Otto Piene, o grupo Zero, “o movimento de vanguarda mais importante depois da Segunda Guerra Mundial", em suas palavras. A partir da proposta de criar uma zona de silêncio criativa, o grupo explorava elementos como luz, movimento e cor, trabalhando com a chamada arte cinética —obras que geram a percepção de dinamismo, seja por forças mecânicas ou pela distorção da visão do público.

É o caso, por exemplo, de um disco prateado que hipnotiza o visitante que chega ao andar de cima da galeria, girando emoldurado por uma placa de textura enrrugada. “Luz e movimento me fascinaram desde o começo. A cor também, porque sua energia, sendo um fenômeno natural, estabelece uma relação com a transparência. A aparição da cor transforma a realidade num mundo virtual”, afirma Mack, lembrando os princípios que estão por trás de obras tão díspares quanto esculturas semicirculares que mimetizam as formas da Lua até colunas gigantes fincadas no deserto do Saara e no Ártico.

Instalações de grandes dimensões, em que a obra de arte é feita diretamente na paisagem natural, são outro traço marcante da produção de Mack. Posteriomente conhecidas como land art, ele ressalta que foi um dos pioneiros desse tipo de arte —“muitos anos antes dos americanos”, acrescenta— ao erguer, em 1976, uma série de colunas cobertas por espelhos e prismas sobre as dunas do deserto argelino.

Um homem branco se posiciona com os braços abertos e vestindo uma roupa brilhante em frente a uma tela metalizada
Heinz Mack em frente ao seu trabalho 'Kleiner Urwald', em 1964 - Galeria Nara Roesler/Divulgação

O grupo Zero durou quase dez anos, até que Mack espontaneamente se deu ao trabalho de acabar com ele em 1966. “Tomei uma decisão completamente inesperada e disse aos meus amigos ‘Zero acabou’. A partir de agora cada artista tem o direito de seguir seu próprio caminho.” Foi o que ele mesmo fez, retornando progressivamente à pintura, como contou em depoimento a Matthieu Poirier.

Ainda assim, o alemão só voltou de fato a pintar quadros nos anos 1990, numa continuação dos seus estudo de cor e de luz. Essa fase mais recente de sua produção está presente na galeria agora, representada por obras que, de certo modo, buscam unir beleza pictórica e elementos naturais. “Retornei à pintura porque eu queria dar novamente vitalidade à arte e porque percebi que as cores são parte substancial e essencial da natureza.”

Como um artista que se notabilizou por usar a natureza como inspiração, ou mesmo como palco de suas obras, Mack, aos 91 anos, se preocupa com a degradação ambiental contemporânea. “Nosso mundo atual está cheio de uma súbita feiura e um nível altíssimo de natureza devastada. Minha convicção de que a arte não é nada sem a beleza é —em outras palavras— uma espécie de resistência, um protesto contra a feiura do nosso mundo.”

Mesmo assim, ele defende que a beleza da natureza supera tudo, e é precisamente por isso que a arte não deve se furtar de descobrir e criar obras belas.

Paragold

  • Quando De 2/9 a 30/10. Seg. a sex.: 10h às 17h30. Sáb.: 11h às 14h30
  • Onde Galeria Nara Roesler em SP - Av. Europa, 655, São Paulo
  • Preço Gratuito, com agendamento pelo site da galeria
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