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Ridley Scott e seu 'O Último Duelo' levam era MeToo à Idade Média

Na trama, acusação de um estupro contra uma mulher que desafiou a sociedade é resolvida na base da espada

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O Último Duelo

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Matt Damon, Adam Driver, Jodie Comer, Ben Affleck
  • Direção Ridley Scott

À primeira vista alguém diria que “O Último Duelo” é mais um épico medieval dirigido por Ridley Scott, com homens resolvendo questões de honra e vingança na base da espada —além dos mais lembrados “Gladiador”, de 2000, e “Cruzada”, de 2005, Scott surgiu para o cinema com a obra-prima “Os Duelistas”, no longínquo 1977.

Mas “O Último Duelo” é mais que isso. É um épico medieval da era do MeToo, com homens resolvendo na base da espada a acusação de um estupro contra uma mulher que desafiou a sociedade ao não se calar —é baseado em uma história real, contada no livro homônimo de Eric Jager.

São três os protagonistas do caso, que acontece na França do final do século 14, bem antes das guerras napoleônicas dos “Duelistas”. Temos Jean de Carrouges, papel de Matt Damon, sua mulher, a bela Marguerite, vivida por Jodie Comer, e o ex-amigo de Carrouges, Jacques le Gris, papel de Adam Driver, a quem Marguerite acusa de a ter estuprado —excelente atuação do trio, com destaque para Comer, da série “Killing Eve”. O acusado nega.

A exemplo do clássico Rashomon”, filme de 1950, de Akira Kurosawa —que também traz o caso de um estupro na Idade Média—, a mesma história é apresentada sob diferentes perspectivas. Nesse caso, um ele disse, ele disse, ela disse, embalado pelo apuro estético que marca os filmes de Scott. E, ainda que as diferenças sejam sutis entre uma versão e outra, a própria legenda dá uma dica sobre a verdade que realmente importa.

Na versão dos dois homens, é possível perceber como a amizade entre Carrouges e Le Gris se deteriora.
Carrouges é um soldado de valor no fronte, mas antissocial, um tanto truculento e mal administrador. Le Gris, por outro lado, goza da amizade do conde da região, Pierre, papel de Ben Affleck, é habilidoso em números, línguas e festas, o que rende a ele presentes do conde. Assim, ganha um lote de terra, que deveria ser do dote de Marguerite —mas é usado pelo pai da moça para pagar dívidas— e também fica com uma capitania que, por herança, deveria ser de Carrouges. De certo modo, Le Gris sempre cruza o caminho de ascensão social de Carrouges.

Mas estamos em 1396, no mundo regido e legislado por homens, sejam os da coroa ou os da Igreja Católica, acostumada a casos de estupro desde tempos antigos. Quando Marguerite conta da violência sofrida, a reação de seu marido não é exatamente a de proteger a mulher. Primeiro, questiona a honestidade dela e depois diz algo como “esse homem só faz maldade contra mim”, assumindo ele mesmo o posto de verdadeira vítima da história.

Marguerite está só em um mundo de brutos. Pouco importa se está certa, ela não encontra conforto em nenhum lugar, seja na corte ou na igreja. Não há sororidade nem com a amiga, e a própria sogra, vivida e machucada pelo passado, questiona sua decisão de pôr a bronca no trombone.

O estupro serve quase como desculpa para Carrouges resolver em combate o que não conseguiu na diplomacia. A perda de terras e a da capitania movem o orgulho de Carrouges —e há a honra da mulher também.

Rei e igreja autorizam o duelo “até a morte”, que revelará a verdade de acordo com a “vontade de Deus”. Mas, caso Carrouges perca o combate, Marguerite também paga o preço pela acusação –será queimada em praça pública.

Matt Damon e Ben Affleck voltam a se reunir para um roteiro, o que não acontecia desde “Gênio Indomável”, de 1997, premiado com o Oscar. Mas aqui a dupla contou com a participação de Nicole Holofcener, de “Poderia Me Perdoar?”, de 2018, que contribuiu com a perspectiva dos personagens femininos.

Por diferentes razões é curioso que Scott esteja à frente deste épico com ecos do MeToo. Afinal, no auge do movimento, cortou todas as cenas de Kevin Spacey em “Todo o Dinheiro do Mundo”, de 2017, após o ator ser acusado de assédio sexual —as cenas foram refeitas com Christopher Plummer ocupando o lugar de Spacey. É de Scott também o cult feminista “Thelma & Louise”, que chega agora aos 30 anos.

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