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'Um Herói', na Mostra de SP, dá tantas alternativas que uma anula a outra

Em novo filme do iraniano Asghar Farhadi, representação e imagem são temas complementares de trama rocambolesca

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Um Herói

  • Onde Mostra de SP: qua. (20), às 20h, no Espaço Itaú Frei Caneca; ter. (26), às 16h30, no Cine Marquise; sáb. (30), às 18h30, no Reserva Cultural; seg. (1º/11), às 13h30 no Espaço Itaú Augusta
  • Elenco Amir Jadidi, Mohsen Tanabandeh, Sahar Goldust
  • Produção Irã/França, 2021
  • Direção Asghar Farhadi

“Um Herói”, de Asghar Farhadi, se desenvolve em torno de dois temas complementares, a representação e a imagem. Rahim Soltani é um homem humilde, preso por dívidas, que durante os dois dias de liberdade que obtém tenta vender algumas pepitas de ouro achadas por acaso para quitar o que deve ao homem que o está processando.

Como a cotação do ouro baixou, Soltani muda de estratégia e decide procurar a pessoa que perdeu a bolsa com o ouro. Sua irmã o devolve à moça que se apresenta, chorosa, no endereço dado. O gesto comove, de imediato, as autoridades prisionais, a liga das senhoras caridosas e, sobretudo, a televisão.

É verdade que, para chegar à sua história, Soltani teve de fazer alguns ajustes inocentes em sua história. Afinal, ele representa um papel que pode lhe trazer a liberdade.

Mas Soltani não é o único interessado na história –à gente da prisão interessa esse “bom exemplo”, que ajuda a apagar os casos de suicídio ocorridos por lá. Também interessa às senhoras caridosas, que dão a ele um certificado e tudo mais —isso rende TV, portanto publicidade, portanto mais donativos. E interessa à TV, aquela que produz imagem.

A humilde imagem de Soltani se impõe, mas por seu modo de interpretação, inclusive, não deixa de lembrar o personagem do “Close-Up”, de Abbas Kiarostami —iraniano como Asghar Farhadi—, no qual se tratava justamente de examinar de perto o talvez crime de um homem que tentava se passar por outro diretor de cinema —Mohsen Makhmalbaf.

A prefeitura lhe oferece um emprego. Triunfo final, porque agora ele terá meios de pagar sua dívida. Mas, como tudo na vida da representação tem seu preço, a mulher que ficou com o ouro desaparece sem deixar pistas. Sua imagem chorosa comoveu tanto a irmã de Soltani que ela nem lhe pediu mais informações, nem recibo, nada.

E a prefeitura começa a receber, pelas redes sociais, tuítes inquietantes, apontando, justamente, os pontos fracos da história de Soltani. Não é preciso ser gênio para adivinhar que por trás disso está o credor do nosso herói, que odeia com uma franqueza exemplar.

Ele deseja arruinar o pobre homem, sua reputação e tudo mais. Mas se o fizer ele arrastará com Soltani sua namorada, o taxista que o ajuda, os chefes do presídio, as senhoras de boa vontade.

Na verdade existe, além do vilão óbvio —o credor—, a mulher que desapareceu com o ouro. Nós podemos ver essa mulher de relance. Será que algum personagem conseguirá reconhecer? Eis a dúvida que se instaura. Será que sua imagem será reconhecida ou ela permanecerá incógnita e, assim, desmascarada?

Eis o dilema que transformará o filme de Farhadi num melodrama em que por momentos é possível ao espectador se engajar no destino de Soltani, que é, afinal, o homem pobre e oprimido da história.

O dilema é o mesmo de Farhadi –confrontar ou não a imagem de Soltani e a não imagem da mulher. Isso determinará o final do filme. Então, é melhor ficar por aqui, já que para muitos espectadores contemporâneos importa o “como termina” do filme, e não o raciocínio que leva ao final.

Fica para registro –Farhadi (é minha opinião) não escolheu o melhor caminho. Sua trama é tão cheia de alternativas que uma acaba anulando a outra. Não é a questão de encontrar “furos” no roteiro. É que tudo gira em torno de verdades que escorregam para a mentira, de uma realidade que se consome em imagem. E para isso é preciso o talento de um Fritz Lang, coisa que Farhadi, bom diretor, ainda não demonstrou ter.

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