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Renato Terra

'Meeting the Man', com James Baldwin, vale pois não sai como planejado

Em documentário disponível no Mubi, escritor afro-americano questiona intenções de diretor branco ao retratá-lo

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Renato Terra

Roteirista do Conversa com Bial e diretor dos documentários 'Narciso em Férias', 'Eu Sou Carlos Imperial' e 'Uma Noite em 67'. Trabalhou na revista piauí até 2016 e foi o ghost-writer do 'Diário da Dilma'

Sobre uma imagem do rio Sena, em Paris, um locutor anuncia "James Baldwin concordou em fazer um filme sobre sua vida como escritor, em vez de figura política". "Paris parecia uma locação óbvia, já que foi aqui que sua carreira de sucesso começou."

O escritor americano James Baldwin (1924-1987) - Jean-Régis Roustan / Roger-Viollet

O texto narrado já sugere que não houve uma convergência de ideias entre os realizadores do filme e o personagem principal. As diferentes visões de mundo entre James Baldwin e o diretor Terence Dickson está impressa nos 27 minutos de "Meeting the Man: James Baldwin in Paris". É um documentário que não saiu como planejado. E, por isso, é muito bom.

James Baldwin não aceita a forma como Terence Dickson, um diretor branco, quer retratá-lo. Falar sobre sua vida como escritor, filmar os lugares que costuma escrever, como propõe Dickson, não são suficientes para captar a força política e retórica de um dos intelectuais mais influentes do século 20. A tensão vai crescendo.

Baldwin pede para ser filmado na praça da Bastilha, símbolo da Revolução Francesa. "As pessoas vieram dessas ruas, há muito tempo atrás, para derrubar essa prisão. E o meu ponto é que essa prisão ainda está aqui. E nós a construímos o tempo todo. Eu represento, nesse momento, muitos prisioneiros políticos nos Estados Unidos." Em vez de demonstrar interesse pelo que está sendo dito pelo personagem principal de seu filme, Dickson resolve perguntar por que Baldwin está "vetando o filme sobre sua obra literária".

E o seguinte diálogo acontece. Baldwin: "Sabe, eu não sou tão escritor quanto sou cidadão. E tenho que ser testemunha de algo que sei". Dickson: "Então, porque você não permite que a gente projete você através do seu trabalho?". Baldwin: "Eu estou totalmente disposto, mas não vejo como você conseguiria".

A partir desse momento, fica claro que Dickson tinha uma ideia de filme pronta na cabeça e não estava preparado para negociar. Mais do que isso: não estava disposto a compreender Baldwin. Queria enquadrá-lo numa proposta previamente combinada, roteirizada. É nessa fricção entre um diretor branco que aponta a câmera para um intelectual negro sem compreendê-lo que está a força do filme.

Ainda diante da Bastilha, Baldwin diz "quando um homem branco derruba uma prisão, ele está se libertando". "Quando eu derrubo uma prisão, me transformo num outro selvagem. O que você não entende é que, para mim, você é a minha prisão. Você é meu guarda prisional. Estou lutando contra você. Não você, Terry. Mas 'você' o homem inglês, o francês."

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