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Alice Walker celebra as mulheres negras e defende o direito ao aborto na Flip

Autora de 'A Cor Púrpura' dividiu mesa emocionante com Conceição Evaristo neste sábado

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São Paulo

As afinidades eram tantas que parece que a mesa da Flip que aconteceu neste sábado foi só o empurrãozinho que faltava para um encontro que deveria acontecer de qualquer jeito entre a americana Alice Walker e a brasileira Conceição Evaristo.

O principal mote da conversa foram os modos de se manifestar literariamente como mulher negra —tanto as maneiras de abrir portas comumente emperradas quanto os desafios de fazer jus a uma herança cultural de muitas gerações que foram silenciadas.

mulher negra com cabelo grisalho
A escritora Alice Walker, autora de 'A Cor Púrpura', durante almoço na Califórnia em dezembro de 2015 - The New York Times

"Não importa o que as pessoas digam sobre você ou o quanto elas queiram que se cale, seu trabalho como mulher negra é lembrar por que você está neste mundo e florescer com ele", disse Walker, lembrando que seu maior sucesso, "A Cor Púrpura", foi severamente atacado mesmo depois de torná-la a primeira negra a vencer o Pulitzer de ficção.

"Percebi que, antes de reclamar que as pessoas não entendiam meu dom, eu deveria fundar minha própria editora e publicar outras mulheres. Antes da pergunta ‘por que não somos publicadas?’ vem ‘podemos publicar a nós mesmas?'."

Evaristo arrancou gargalhadas da americana ao emendar a fala dela com o ditado "os cães ladram e a caravana passa". "A fala que prefacia os nossos textos é a de nossas ancestrais. Falar sem elas seria falar no vazio, são nossas vozes matrizes que, na maioria das vezes, se realizaram no silêncio. A gente pega esse silêncio e o transforma em gritos."

A mineira lembrou que o racismo sempre insiste no estigma de que negros não sabem falar direito. "Quando negam nossa capacidade de linguagem, negam nossa capacidade de pensamento, de produzir saber. Afirmar nossa linguagem é afirmar nossa humanidade."

Por isso ela diz que sempre procurou manter a oralidade como traço estético de sua literatura e ressalta que as histórias que sua família lhe contava até hoje representam uma de suas grandes inspirações.

Walker referenciou a literatura da americana Zora Neale Hurston, que criou seu clássico "Seus Olhos Viam Deus" na década de 1930, "porque ela teve coragem de escrever do jeito que nós soamos". "Ler aquilo era como comer algo muito nutritivo".

Ao final da conversa, respondendo a uma pergunta do público, as autoras ressaltaram a importância de as mulheres terem liberdade para dispor de seus corpos.

No momento mais emocionante da mesa, Walker lembrou que fez um aborto na adolescência, quando era "tão pobre que só tinha um par de sapatos". "Você não consegue cuidar de nada nem se desenvolver a nada se não for primeiro dona de si mesma."

As escritoras se despediram celebrando a oportunidade de se encontrarem, mesmo que a distância, e ocupar essa posição de prestígio num festival literário mediadas por Djamila Ribeiro, também ativista do feminismo negro e colunista deste jornal. "Era isso que nossas ancestrais sonhavam para nós", disse Walker.

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