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Cinema

'Deserto Particular' revela ao Oscar filme pálido sobre paixão gay

Representante do Brasil de Bolsonaro na cerimônia surpreende com história de policial que se apaixona por travesti

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'Deserto Particular'

  • Quando 2021
  • Onde Brasil
  • Direção Aly Muritiba

Não deixa de ser irônico que a obra indicada a representar no Oscar 2022 o Brasil de Bolsonaro seja um filme assumidamente gay como "Deserto Particular", de Aly Muritiba. E, como ironia pouca é bobagem, todo o drama gira em torno de um policial, instrutor na escola de oficiais, que mandou um recruta para o hospital, foi suspenso e passará por julgamento.

Esse policial (não é dito, mas parece da PM), por nome Daniel, papel de Antonio Saboia, é um bombadão que sente um grande vazio dentro de si, e isso tem a ver com a misteriosa ligação que mantém à distância com a não menos misteriosa Sara, mulher que sumiu de sua vida de forma mais ou menos misteriosa.

Os atores Thomas Aquino e Pedro Fasanaro em cena do filme "Deserto Particular", dirigido por Aly Muritiba
Os atores Thomas Aquino e Pedro Fasanaro em cena do filme "Deserto Particular", dirigido por Aly Muritiba - Divulgação

Daniel está tão apaixonado que pouco se lixa para o julgamento judicial de que será objeto. Ele sai em viagem, atravessa metade do país para achar a misteriosa mulher, que mora no interior da Bahia, e usa de mil subterfúgios para não o ver. Aliás, ela manda o amigo Fernando, papel de Thomas Aquino, como embaixador para falar com Daniel. Sara tem medo de Daniel. Ou seja, também é apaixonada por ele.

Eles têm um brevíssimo encontro numa boate, afinal. Mas Sara foge. Parece disposta a manter o clima de uma paixão tipo Marlene Dietrich nos anos 1930, cheia de véus, mistérios e tal. Ela tem boas razões. Depois de um encontro cheio de danças e beijos, Daniel descobre que Sara não é bem Sara. É Robson, um jovem que durante o dia trabalha levando sacas de um lado para o outro. Assim como no passado outros descobriam que Marlene Dietrich tinha um passado duvidoso, Daniel descobre que Sara é uma travesti. E não se conforma com isso. Ele se julga enganado. Está apaixonado por um homem.

Bem, ninguém é perfeito. Muita água vai rolar por baixo da ponte de Sobradinho, onde jaz uma cidade submersa —uma analogia óbvia com os desejos submersos de Daniel.

Acrescentemos a isso uma circunstância que, a rigor, é a substância do roteiro de "Deserto Particular" –os pais. Sobre eles vale a pena se deter um pouco –o pai de Daniel é um homem senil (por idade ou Alzheimer), ex-oficial também ele. Mas Daniel sente falta da figura materna, morta. No entanto, é ao pai (a lei) que segue, se tornando também policial.

O de Robson o mandou para Sobradinho para que a avó "desse um jeito" nele. Seus esforços são em vão, assim como os do pastor da igreja que costuma frequentar. Ainda que piedosa, sua alma se decepciona ao perceber que nem mesmo Deus, o pai dos pais, consegue dar ao rapaz a cura que ela espera.

Existe coragem num filme em que o principal personagem é um militar (a rigor, um PM é militar, não?) que se descobre gay. E seria divertido ver a reação do Brasil paralelo a um Oscar dado enfim ao Brasil, mas por uma questão de "ideologia de sexo". Vale a pena torcer por isso. Infelizmente é bem pouco provável que aconteça.

À audácia do tema corresponde aqui uma concepção dramática antiquada, que faz com que o drama de Daniel pareça distante, teórico, mediado por aspirações ao bom gosto, quando mais interessante seria se atirar num melô delirante, tipo os mexicanos dos bons tempos. Apesar do bom desempenho dos três atores centrais, parece faltar um tanto de paixão, de "amour fou" descabelado, a este filme sobre a paixão que resulta um tanto pálido.

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