Maxwell Alexandre vai a Paris e enche todo o Palais de Tokyo de corpos negros

Inspirado nos versos de Baco Exu do Blues e BK', artista quer ver diversidade alçada ao topo da cadeia da alta cultura

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Carolina Vasone
Paris

No fim de novembro, o artista carioca Maxwell Alexandre, de 31 anos, fez um exercício que costuma praticar com frequência –ao chegar ao centro cultural Palais de Tokyo para a abertura de sua primeira exposição individual em Paris, olhou em volta à procura dos corpos negros. "Novamente, eram os dos seguranças", constatou.

A reivindicação da presença do negro como frequentador de museus e galerias –assim como o acesso aos códigos da arte, historicamente restritos à elite branca– constituem o tema de "Novo Poder", mostra do artista aberta na semana passada, em cartaz na capital francesa até 20 de março do ano que vem.

"Poderia fazer uma série só de carros, de ostentação, mas preferi a arte contemporânea. Para mim, a longo prazo, é a melhor forma de ascensão. É a disputa pela narrativa que vai deixar um legado para o futuro. É mais do que dinheiro, é capital intelectual", disse ele, em Paris.

As 42 obras expostas no Palais de Tokyo, um dos espaços de arte contemporânea mais relevantes da Europa, foram escolhidas entre mais de cem criadas por Alexandre especialmente para a mostra. Elas são um desdobramento de "Pardo É Papel", série que trata do empoderamento da população negra moradora de favelas como a Rocinha, onde o artista nasceu e vive até hoje. É também o trabalho responsável por alçar Alexandre ao grupo das novas estrelas da arte contemporânea brasileira.

Com pinturas que hoje valem de US$ 15 mil, cerca de R$ 84 mil, a mais de US$ 100 mil, por volta de R$ 560 mil, o artista está presente em acervos como o do Masp, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além do Pérez Museum, em Miami. O Museu de Arte Contemporânea de Lyon, na França, onde Alexandre realizou, em 2019, sua primeira mostra internacional, também comprou obras dele. Foi lá, enquanto mostrava "Pardo É Papel", que o artista criou os três primeiros quadros de "Novo Poder".

Sempre em papel pardo, com grandes dimensões, sem moldura, os trabalhos são pintados com tinta de parede e outros materiais como polidor de sapato e henê, um cosmético que alisa e tinge o cabelo crespo. "O henê é um produto químico que fala muito sobre as mulheres da favela. Minha mãe usava, minha irmã também. Quando comecei a pintar, escolhi isso por necessidade financeira. Mas não deixa de ser coerente com a minha obra", conta o ex-patinador profissional, desenhista desde criança, que se decidiu pela carreira de artista na faculdade de design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde se formou há cinco anos.

As dezenas de pinturas que não entraram na mostra de Paris, organizada pelo francês Hugo Vitrani, foram transformadas em duas exposições abertas em paralelo à do Palais de Tokyo, uma na sede da galeria A Gentil Carioca, no Rio de Janeiro, e outra na filial da mesma casa em São Paulo.

A palavra de "Novo Poder" também esteve na recém-encerrada feira Art Basel Miami Beach, para onde Maxwell criou quatro painéis, três deles expostos no estande da Gentil Carioca, que o representa, e o principal na nova seção especial dedicada a projetos em larga escala. Estejam no Brasil, nos Estados Unidos ou na França, todos os trabalhos da série são costurados pela ideia central de figuras negras sem rosto, bem-vestidas, circulando totalmente confortáveis e integradas a espaços expositivos de arte contemporânea.

Os quadros que elas observam são telas abstratas, construídas a partir do papel pardo exposto sem pintura, delimitado por faixas de tinta branca formando linhas geométricas. "Nesta série, trabalho com três signos, o preto, o branco e o pardo. O preto é representado pelos personagens negros, envoltos pelo 'cubo branco', o espaço expositivo, do conhecimento acadêmico. O pardo é a arte e uma referência ao próprio papel", afirma.

Cheias de simbologias, as obras parecem revelar outra exposição dentro da exposição. A que os negros ricos, cultos e bem-sucedidos apreciam é a da arte abstrata que Maxwell Alexandre pintava no início da carreira, considerada por ele "mais pintura", além de exigir mais repertório artístico, que os negros de seus quadros claramente têm.

Isso porque ainda que as letras dos rappers Baco Exu do Blues, Djonga e BK' sigam inspirando sua obra –o título "Novo Poder" vem de uma música de BK'– e servindo como estratégia para aproximar a periferia do museu, é ao topo da cadeia da alta cultura que Alexandre quer ver os negros chegarem.

"Existe esse campo da arte que é codificado e foi codificado justamente para distinguir a gente socialmente. Chamo o preto a se inteirar desses códigos para disputar esse campo de narrativa e de imagem."

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