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Televisão

Faustão estreia em 2º no Ibope reciclando fórmula conciliadora da Globo

Com seu caos hipnótico, apresentador transporta espectadores para um estranho domingo em plena segunda

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Faustão na Band

  • Quando Seg. a sex., das 20h30 às 22h30
  • Onde Band

Depois de 33 anos e seis meses, Faustão apareceu na televisão no comando de um programa só seu fora da Globo pela primeira vez. Ele nunca se despediu da emissora, mas nesta segunda ele estreou na Band como se não tivesse saído de lá. A linguagem se manteve quase inalterada e, mais importante, isso se refletiu na audiência —em São Paulo, o programa ficou em segundo lugar na prévia da audiência do Ibope.

Anne Lottermann, Fausto Silva e João Guilherme no palco do 'Faustão na Band' - Rodrigo Moraes/Divulgação

Atingiu pico de 9,5 pontos, conforme divulgou o jornalista Ricardo Souza, do site TV Pop. Depois, se manteve estável, entre 7 e até 8,9 pontos, atrás apenas do Jornal Nacional e da novela "Um Lugar ao Sol" da Globo. Atualmente, cada ponto na Grande São Paulo equivale a cerca de 75 mil domicílios.

Isso confirma que, afinal, ainda que seja considerado ultrapassado por muitos, bem como o seu formato de programa de auditório, Faustão comanda seu programa e seu público com a rédea curta, costurando um caos hipnótico que nos leva a um domingo em plena segunda-feira.

Em suma, ele empurrou as clássicas videocassetadas logo nos primeiros minutos, garantindo aquela sensação de que, sim, esse é o momento do grotesco e do familiar, do sofá e do guaraná.

Depois, pôs Zeca Pagodinho e encerrou com shows de Alexandre Pires e Seu Jorge —indo dos hits de cada um, mas também desenterrando clássicos de Cartola e Zé Keti.

O que houve, afinal, não foi o espetáculo que estava sendo propagandeado. Faustão tinha ido ao programa de José Luiz Datena na Band anunciar a estreia, confirmando Antonio Fagundes e Camila Queiroz –ex-grifes saídas recentemente da Globo– para a "Pizza do Faustão", quadro programado para as segundas. Não foi dada nenhuma explicação ao vivo, mas Queiroz publicou um vídeo breve de sua participação no Twitter, então o programa ainda deve ainda ir ao ar.

Mas a pizza aqui não foi literal, foi mais um retrogosto, enquanto presenciamos um modelo de programa de auditório decadente, mas desesperado para aproveitar seus últimos suspiros.

Faustão permanece uma figura gigante, e dono do talvez melhor domínio de palco na TV atualmente —posto que Silvio Santos já perdeu o trono há um bom tempo. Ele não tem o carisma transgressor que Marcos Mion inaugurou na MTV —e que agora tenta aplicar aos sábados da Globo—, mas também não adota o tom paternalista de um Luciano Huck.

Ele tem vivência, tem a simpatia da classe artística do establishment e do gosto médio, que ainda passa muitas horas em frente à TV, compartilhando as mesmas imagens como um patrimônio imutável. Tão constante quanto a linguagem de seu programa.

"Quem sabe faz ao vivo" foi o bordão que o apresentador eternizou nas tardes de domingo pós-futebol na Globo. E essa inegável magia do ao vivo permaneceu por anos, rendendo as melhores e piores gafes do programa —uma das poucas maneiras em que conseguiu estourar a bolha da TV e ganhar alguma notoriedade nas redes sociais, mesmo sob o signo da gozação.

Na Band, porém, mesmo gravado, Faustão manteve o tom espontâneo dos domingos. Se não chegou aos seus momentos mais radicais —de interromper o programa para mostrar a estrutura, ou partir para o "exploitation" típico dos anos 1990—, o apresentador cantou alto, diversas vezes ultrapassando o volume da voz de Zeca Pagodinho. Com "Deixa a Vida me Levar" ou "Judia de Mim", fez um desafinado dueto que simboliza bem essa sensação de descontrole.

As cassetadas continuam soando improvisadas e nostálgicas ao ponto do constrangimento —quem viu alguns anos de Faustão sabe como elas se repetiam de maneira exagerada, e aqui não é diferente, ainda que tenham tentado incorporar algumas que circulam recentemente pelas redes sociais.

Talvez por trazer a mesma equipe que consolidou seu estilo na Globo, o programa atinge um ponto em que os cortes ficam quase imperceptíveis —com exceção das mudanças de bloco.

É um feito, sobretudo em comparação com todas as outras experiências de auditório da própria Globo. "Esquenta!", com Regina Casé, tinha o tom anárquico das batucadas, mas sua edição beirava o tosco, com aplausos interrompidos quase de repente.

Os mais atentos notaram, porém, que o enorme relógio do apresentador denunciou os diferentes momentos —no primeiro bloco, ele foi das 20h10, e regressou até 18h30 ao longo de poucos minutos. À parte o aspecto cômico, esse é um bom resumo de como, de fato, Faustão está parado no tempo.

Vale, aliás, trazer à baila, enfim, Anne Lottermann e João Guilherme, filho do apresentador, que ficaram absolutamente ofuscados nesse primeiro programa. O rapaz, em especial, um xerox de Faustão com mullets e um bigode púbere, foi o que mais sofreu.

"Que que você quer saber, ô, figura?", perguntou o apresentador a certa altura, convocando um João ainda constrangido a fazer uma pergunta para Zeca Pagodinho. Sem as memórias e o infinito repertório do pai, ele se apoiou em temas discutidos antes no camarim, como ele mesmo disse, e nem teve chance de se adaptar aos holofotes. Afinal, Faustão é conhecido por interromper todo e qualquer ser falante —e não poderia deixar de fazer isso aqui. Lottermann ainda se saiu melhor, simulando alguns momentos de espontaneidade.

O apresentador, enfim, fez o que melhor podia fazer –não dar a impressão ao público de que ele tinha trocado de canal. O público noveleiro, em especial, sabe, com um ou dois takes, se está vendo uma novela da Record, do SBT ou da Globo.

Havia auditório –metade da capacidade, ao contrário do programa da virada– e as mesmas idosas animadas, os mesmos participantes com aplausos desanimados e o olhar disperso, até mesmo a agitadora Mary Jackson, que ganhou destaque até no Jornal da Band que antecedeu o programa.

Da mesma forma, é hilário ver o apresentador chamando os "reclames da Band" numa ineficaz tentativa de atualizar o bordão —e não faltaram relatos de que Fausto confundiu diversas vezes por "reclames do plim-plim" durante as gravações, segundo reportagem da coluna Em Off.

O programa foi marcado também por problemas técnicos para quem acompanhava a transmissão pelo YouTube ou pelo site da Band, quando uma série de anúncios entrou no segundo bloco, interrompendo o momento de Seu Jorge e Alexandre Pires.

Não faltaram também os trocadilhos de mau gosto, os ‘garela’, os silêncios esquisitos e a mensagem direcionada à dona de casa cujo marido não troca a cueca há três dias. Ainda que sejam os bordões mais antiquados, seu público quer isso.

Ainda será preciso ver como vão se sair as atrações fixas, mas a princípio nenhuma parece ter potencial para extrapolar o círculo de comentários curtos da família no sofá.

Nem mesmo as breves entrevistas do quadro "Arquivo Confidencial" ou afins, que às vezes até davam algum espaço para os artistas se manifestarem —e serem depois repescados pelo debate nas redes, como no caso Mário Frias versus José de Abreu— eram mais regra nos últimos anos de Faustão na Globo.

O BBB vai dominar a pauta da Globo e das redes pelos próximos meses graças à guinada das últimas edições, mixando desconhecidos e famosos em um pout pourri de memes, debates e barracos que espelham um Brasil multifacetado.

Enquanto isso, assistir ao Faustão continua a nos jogar no mesmo transe: o bombardeio de um Brasil colorido, estrelado, ruidoso e que esconde suas feridas sob a superfície conciliadora de um domingo à tarde.

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