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Artes Cênicas

'A Pane' lembra Moro e seu teatro afetado, mas se perde no absurdo

Peça de Friedrich Dürrenmatt propõe jogo teatral em um tribunal fictício que remete à farsa jurídica brasileira

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A Pane

  • Quando Sex.: 21h; sáb.: 20h. dom.: 18h. Até 20 de fevereiro.
  • Onde Teatro Faap - r. Alagoas, 903
  • Preço De R$ 60 a R$ 80
  • Classificação 14 anos

A primeira versão de "A Pane", do suíço Friedrich Dürrenmatt, foi uma peça radiofônica transmitida em 1956. Naquele mesmo ano, o autor mudou o final e escreveu a versão mais conhecida da obra, na forma de um conto.

Mais tarde, já na década de 1970, ele voltou a adaptar o texto para teatro. É essa última versão que Malú Bazán põe agora em cena, com tradução de Diego Viana.

cena de peça
Oswaldo Mendes, Heitor Goldflus, Cesar Baccan, Marcelo Ullman (em pé), Roberto Ascar e Antonio Petrin em cena da peça 'A Pane', com texto de Friedrich Dürrenmatt e direção de Malú Bazan, no Teatro Faap, em São Paulo - Ronaldo Gutierrez/Divulgação

O mote da peça é formidável. Depois de uma pane em seu carro esportivo, Alfredo Traps, "representante geral" de uma companhia têxtil, pede para pernoitar numa mansão em um pequeno povoado. Ali, o proprietário da casa, um velho juiz aposentado, se reúne frequentemente com velhos amigos para simularem julgamentos. Traps é convidado a comer, beber e participar do jogo. Ele fará o papel do réu.

Na versão teatral da obra, Dürrenmatt insere um efeito metalinguístico, já que, na mansão do juiz Wucht, as personagens realizam uma espécie de jogo teatral, representando papéis em um tribunal fictício. Um teatro dentro do teatro.

Visto por outro ângulo, o autor suíço propõe também uma abordagem satírica da justiça "real", que, no final das contas, não é tão diferente assim do jogo teatral espalhafatoso que anima a vida daqueles velhos juristas.

Quem já frequentou um tribunal decerto já notou como tudo ali se parece com um teatro arcaico, das vestimentas antiquadas ao personalismo afetado de seus magistrados.

Aqui no Brasil, onde nos últimos anos tribunais e juízes adquiriram protagonismo político e social como poucas vezes na história, essa imagem cáustica que ridiculariza a aura de seriedade da justiça pode ter uma grande força crítica.

A fábula de Dürrenmatt ganha potencial forte de ser decifrada localmente, sem precisar de adaptações significativas, que, por sinal, são poucas na montagem brasileira atual.

O andamento do espetáculo, contudo, tem seus altos e baixos. É algo que talvez se explique por caminhos paradoxais escolhidos para a construção da cena.

Por um lado, os atores conseguem um ótimo desempenho quando se atêm às relações objetivas de cada situação e quando sublinham a construção do raciocínio de suas falas, sobretudo nas cenas em que o promotor Zorn, interpretado por Antônio Petrin, e o advogado Kummer, vivido por Roberto Ascar, fazem seus respectivos discursos de acusação e de defesa. Talvez a grande cena do espetáculo seja a reconstituição minuciosa que Petrin faz do "crime" de Traps, materializando passo a passo os acontecimentos que culminaram na morte do ex-chefe do agora representante geral.

Mas, por outro lado, há certa insistência em sublinhar também um registro absurdo nas interpretações, como, por exemplo, na repetição de gestos, rituais e interjeições das personagens, que têm pouco efeito cômico e criam a sensação de que todos ali são meio malucos.

Ao pintar tudo com as tintas do absurdo, o potencial satírico perde força, já que o complexo jogo jurídico-teatral se transforma tão somente em um delírio de excêntricos, e o espetáculo vai, pouco a pouco, ficando preso num tipo de monotonia.

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