Descrição de chapéu
Livros

'Cidade nas Nuvens' põe as bibliotecas e os livros como chave do futuro

Romance é o lançamento de Anthony Doerr, autor de 'Toda Luz que Não Podemos Ver', vencedor do Pulitzer

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alex Castro

Escritor, é autor de "Atenção." (Rocco)

Cidade nas Nuvens

  • Preço R$ 79,90 (752 págs.); R$ 54,90 (ebook)
  • Autor Anthony Doerr
  • Editora Intrínseca
  • Tradução Marcello Lino

​E se as bibliotecas não existissem e fossem inventadas hoje? Jeff Bezos investiria bilhões de dólares em lobistas para detonar o projeto; os bibliotecários seriam considerados piratas profissionais; as editoras exigiriam royalties cada vez que um livro fosse emprestado; e a própria ideia seria considerada radical e comunista, impraticável e antiética.

Seu criador talvez sofresse o mesmo destino que Aaron Swartz, que tentou abrir o acesso a artigos científicos, foi perseguido pelo FBI e acabou se matando.

homem branco e careca diante de morro
O escritor Anthony Doerr, autor de 'Toda Luz que Não Podemos Ver' e 'Cidade das Nuvens', posa em Boise, em Idaho, nos Estados Unidos - Alex Hecht - 3.set.2021/New York Times

Felizmente, bibliotecas já existem —e há muito tempo. Mas talvez não para sempre –elas são mais frágeis do que parecem, demandam um trabalho constante para continuarem existindo e podem acabar a qualquer momento, de morte matada ou de morte natural.

Esse é o tema do romance "Cidade nas Nuvens", de Anthony Doerr, publicado em setembro nos Estados Unidos e que sai agora no Brasil pela Intrínseca, em excelente tradução de Marcello Lino. O autor é mais conhecido por seu romance anterior, "Toda Luz Que Não Podemos Ver", premiado com o Pulitzer de 2014.

Nos agradecimentos, Doerr lembra como inspiração "A Virada: o Nascimento do Mundo Moderno", de Stephen Greenblatt —também ganhador do Pulitzer—, sobre a redescoberta, em 1417, do manuscrito do poema latino "Da Natureza", de Lucrécio, e da virada da Idade Média ao Renascimento que essa descoberta catalisou.

"Cidade nas Nuvens" acompanha a trajetória do manuscrito "Cuconuvolândia", desde quando é escrito por Antonio Diógenes no século 1º para animar uma sobrinha doente; passando por ser redescoberto por outra menina em uma Constantinopla às vésperas de ser tomada pelos turcos no século 15; e, depois de várias histórias interligadas, até se encontrar armazenado na biblioteca de uma nave espacial do século 22, abandonando um planeta Terra exaurido e buscando um novo lar para a humanidade além das estrelas.

("Cuconuvolândia" realmente existiu, mas, como tantos textos antigos, se perdeu –pela sinopse, pode ter sido a primeira ficção científica. Em inglês, o título do romance e do manuscrito são iguais –"Cloud Cuckoo Land".)

Na história que abre e encerra a narrativa, acompanhamos a menina Konstance, no 65º ano de uma viagem interestelar de 592 anos, descobrindo que seu destino será nascer e morrer naquela nave, para que a espécie humana, séculos depois, tenha a chance de continuar em um novo planeta.

"Somos as gerações-ponte, os intermediários, aqueles que trabalham para que nossos descendentes estejam prontos... Você e eu nunca vamos chegar a Beta Oph2, querida, e essa é uma verdade dolorosa. Mas, com o tempo, você pode passar a acreditar que há muita dignidade em fazer parte de uma empreitada que durará mais do que você."

Na linha de "The Overstory", romance publicado por Richard Powers em 2018, ganhador do Pulitzer de 2019, e inexplicavelmente ainda não lançado no Brasil, "Cidade nas Nuvens" não é apenas uma carta de amor aos livros e às bibliotecas, mas também à natureza e aos animais.

No passado, acompanhamos a tomada de Constantinopla do ponto de vista de dois bois, que vimos nascer e aprendemos a amar, forçados a arrastar o maior canhão de todos os tempos. No presente, um adolescente neuroatípico se radicaliza ecoterrorista pela destruição do habitat de suas corujas favoritas.

No futuro, a destruição da Terra faz com que a humanidade fuja rumo às estrelas, levando não apenas todo o conhecimento humano, mas também uma boa parte da biodiversidade sobrevivente, em estufas, florestas, plantações.

Se Konstance precisa se conformar de que faz parte de uma geração-ponte, quem não faz? Quem não é a ponte entre o mundo que recebeu dos mortos e o mundo que passará adiante aos não nascidos?

Afinal, toda geração é uma ponte entre o passado que não conheceu e o futuro que não verá. O que dirão nossos descendentes do planeta que deixamos a eles?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.