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Abdulrazak Gurnah, em 'Sobrevidas', destaca o humano ante o colonial

Romance do Nobel tanzaniano joga luz sobre vida íntima e ordinária dos que vivem, e não sobre o número de mortes

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Fernanda Silva e Sousa

Sobrevidas

  • Preço R$ 74,90 (336 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Abdulrazak Gurnah
  • Editora Companhia das Letras

"Ninguém é dono do corpo e do espírito de ninguém", afirma Hamza, um dos protagonistas do romance "Sobrevidas", do escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah, ganhador do prêmio Nobel de literatura em 2021.

Ambientado na África Oriental, entre o interior do que hoje é a Tanzânia e o litoral do oceano Índico, o livro se destaca pela força e, ao mesmo tempo, vulnerabilidade de personagens que sobrevivem aos terrores do colonialismo europeu.

O escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah, vencedor do Nobel de literatura de 2021 - Henry Nicholls/REUTERS

Construindo uma saga que atravessa diferentes gerações "num país que parecia estar sempre em guerra", Gurnah faz da vida íntima e ordinária daqueles que sobrevivem, e não do colonialismo, o grande tema de seu romance.

Em meio a menções e descrições de acontecimentos relativos aos embates coloniais e a inúmeras mortes deles decorrentes, irrompe a experiência de personagens cuja resistência é a própria vida em si mesma, em um regime de morte.

Abrindo o romance com o Khalifa, filho de um indiano e de uma africana que foi sozinho para uma cidade vizinha estudar e perdeu os pais repentinamente, sua história de vida, contada nas primeiras páginas, parece condensar dois aspectos centrais da obra —a necessidade de se refugiar em outro lugar em busca de uma outra vida e a perda quase inevitável de entes queridos em um cenário de fome, doença e guerra.

Entretanto, Gurnah consegue desvelar que "o mundo segue sempre em frente apesar de todo o caos e desolação" e que as vítimas do colonialismo não são meras vítimas nem estatísticas, mas seres humanos que sonham, riem, amam, se casam.

Nesse sentido, o autor se destaca por reconstituir não apenas a experiência traumática daqueles que participaram das guerras coloniais, mas também daqueles para quem esses eventos se tornavam conhecidos por meio de "boatos" e "histórias chocantes".

Não à toa, o encontro entre Hamza, refugiado e ex-combatente africano das tropas alemãs, e Khalifa, administrador dos negócios de um mercador, que o acolhe após o conhecer em frangalhos, afirma um senso de humanidade entre aqueles que foram historicamente desumanizados.

Merecidamente vencedor do Nobel, Gurnah explora os efeitos do colonialismo em seu livro, jogando luz sobre episódios e experiências que não devem ser esquecidos e que não receberam atenção suficiente. Mais do que isso, faz da sua obra um espaço em que a história do colonialismo na África Oriental não é contada pelo número de mortos, mas por aqueles que, com suas sobrevidas, em meio a ruínas, tentam construir uma outra vida possível —e uma vida que também pode ser bela.

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