Cia. de Teatro Heliópolis celebra 20 anos com olhar feminino sobre o cárcere

Peça 'Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos' aborda a questão do encarceramento em massa no Brasil

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Peri Pane
São Paulo

Atrizes e atores formam um corpo coletivo que se move pelo palco. O corpo cai e se levanta. Torna a cair. E se levanta de novo. A repetição dura alguns minutos do ensaio. A Companhia de Teatro Heliópolis resiste há duas décadas.

Esse "corpo coletivo" já é uma marca do grupo, que surgiu no ano 2000 dentro da maior favela de São Paulo, a qual leva no nome. A companhia estreia neste sábado sua 12º peça, "Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos".

A peça surgiu a partir da pesquisa "Cárcere - Aprisionamento em Massa e Seus Desdobramentos", que ganhou, em 2020, a 35ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro. A ideia era celebrar os 20 anos do grupo, mas por causa da pandemia a estreia ficou para este ano.

Atores da Companhia de Teatro de Heliópolis em cena da peça 'Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos', dirigida por Miguel Rocha com texto de Dione Carlos
Atores da Companhia de Teatro de Heliópolis em cena da peça 'Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos', dirigida por Miguel Rocha com texto de Dione Carlos - Weslei Barba/Divulgação


"Reconheço nosso trabalho de resistência. É um pouco o que está nas peças, esse ato repetitivo de cair e se reerguer, cair, levantar e se manter de pé", diz Miguel Rocha, de 42 anos, fundador do grupo ao lado da atriz e produtora Dalma Régia, de 40 anos.

Nascidos no Piauí, Régia e Rocha moram em Heliópolis desde os anos 1990 e são os únicos que estão no grupo desde o primeiro espetáculo, "A Queda para o Alto", inspirado no romance homônimo de Sandra Mara Herzer, que passou a se chamar Anderson Herzer. A peça mostra a experiência de uma jovem na antiga Febem.

"Já fazia teatro, mas entendi que queria fazer aquele trabalho com pessoas da minha comunidade. Aí juntei um grupo de jovens e adolescentes mais alguns amigos moradores do território de Heliópolis e montamos a peça", diz Rocha.

De todos os jovens que participaram da primeira peça, só Rocha e Régia continuaram trabalhando com teatro. Mais tarde, o "núcleo duro" do grupo se consolidou com a entrada dos atores Davi Guimarães, Walmir Bess e Alex Mendes.

"É muito complicado sobreviver do teatro e da arte como um todo. Alguns foram ser advogados, enfermeiros e lembram até hoje a importância dessa experiência. Alguns foram presos", lembra o diretor.

A violência vivida diariamente na periferia de São Paulo é um tema recorrente no trabalho do grupo. De alguma forma, a nova peça dá sequência aos trabalhos anteriores –"Sutil Violento", de 2017, e "(In)Justiça", de 2019, indicado ao prêmio Aplauso Brasil na categoria de melhor espetáculo de grupo e eleito um dos melhores espetáculos do ano pelo Guia Folha.

"A pesquisa sempre parte de um mesmo território, mas em diálogo com o Brasil de hoje. O tema é interligado às nossas questões contemporâneas", afirma Rocha. Atualmente, mais de 600 mil pessoas estão presas no Brasil, sendo que a maior parte delas são homens negros.

Em "Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos ", a questão do encarceramento em massa no Brasil é apresentada sob o ponto de vista das mulheres. A peça acompanha a trajetória de duas irmãs, Maria das Dores e Maria dos Prazeres, que desenvolvem estratégias para seguir a vida diante da prisão de familiares.



A atriz e produtora Dalma Régia sentiu a necessidade de ter um olhar feminino nesse espetáculo. Surgiu então o convite para a dramaturga e roteirista Dione Carlos, de 40 anos, que assina a dramaturgia da peça. "As Marias da peça representam muitas mulheres deste país", diz a dramaturga, que também usou no texto muito do que foi ouvido em entrevistas de campo e lido nos materiais de pesquisa.

A peça apresenta mães, filhas e companheiras que são enredadas nas tramas do sistema penitenciário, uma "máquina de moer gente", como diz uma das personagens, a partir do momento que um homem é preso.

Segundo ela, o título da peça se refere a um "itan", uma lenda de Iansã na qual ela se transforma em búfalo para defender seus filhos e suas filhas. "Já havia uma pesquisa sobre o arquétipo de Iansã, a mulher que governa ao lado de Xangô, nunca atrás. Xangô esteve presente na peça anterior. Iansã reina nesta como um símbolo de força feminina", afirma.

Segundo o diretor, a busca pela coletividade parte do sujeito. "São vozes únicas que destoam também. Não há uma busca por um discurso hegemônico. Somos de Heliópolis, da periferia, mas queria fazer um teatro que pudesse dialogar com sujeitos e sujeitas, que não fosse reduzido ao teatro da periferia para a periferia. Quero sensibilizar outras pessoas para questões que talvez elas não vivam e não percebam."

Além do elenco do grupo, a peça também conta com Antônio Valdevino, Danyel Freitas, Jefferson Matias, Jucimara Canteiro e a participação de Isabella Rocha, de dez anos, filha de Régia e Rocha. Há ainda trilha sonora ao vivo com percussão e um trio de cordas.

O espetáculo acontece na Casa de Teatro Mariajosé de Carvalho, sede do grupo desde 2010, no Ipiranga, bairro vizinho de Heliópolis na zona sul paulistana. A entrada funciona no sistema "pague quanto puder" para o público em geral e é gratuita para alunos e professores da rede pública.

Cárcere ou Porque as 
Mulheres Viram Búfalos

  • Quando Sex. e sáb., às 20h, e dom., às 19h. Até 5/6
  • Onde Casa de Teatro Mariajosé de Carvalho – Rua Silva Bueno, 1533, Ipiranga
  • Preço Contribuição voluntária
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Antônio Valdevino, Dalma Régia, Danyel Freitas e outros
  • Direção Miguel Rocha
  • Link: https://www.sympla.com.br/produtor/companhiadeteatroheliopolis
  • Texto Dione Carlos
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