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Robert Duvall celebra 'Poderoso Chefão', mas só faria 'Parte 3' por dinheiro

Ator que fez conselheiro Tom Hagen em clássico que faz 50 anos diz ter pressentido grandeza do filme com produção atribulada

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São Paulo

Entre os tiroteios, mortes e frases clássicas repetidas à exaustão pelos fãs de "O Poderoso Chefão", sobra pouco espaço para Tom Hagen, o conselheiro e advogado dos Corleone. Mas se engana quem acha que, por isso, ele é menos icônico.

Num filme cheio de sombras e salas escuras como o clássico de Francis Ford Coppola, que fez 50 anos neste mês, o personagem vivido por Robert Duvall é fundamental para que a máfia mantenha sua fachada de legalidade.

O ator Robert Duvall no Festival de Toronto em 2012
O ator Robert Duvall no Festival de Toronto em 2012 - Mark Blinch/Reuters

Já nos bastidores do filme, enquanto a pressão sobre o diretor e o ator principal, Al Pacino, eram gigantescas e davam uma atmosfera de insegurança à produção, Duvall, aos 40 anos, dez deles na indústria cinematográfica, não tinha dúvidas sobre aquele trabalho.

"Só de ver um terço do filme, eu pensei 'nós fizemos algo importante, vai ter um grande impacto'", lembra o ator, em entrevista a este repórter por telefone.

Ele conta só ter sentido algo similar quando estrelou a minissérie "Os Pistoleiros do Oeste", de 1989, baseada no livro "The Lonesome Dove", de Larry McMurtry. "É um faroeste que reflete sobre religião e o Texas", sintetiza Duvall, que se tornou um ícone cultural do estado americano por esse trabalho —ainda que não tenha nascido ou morado por lá.

"Eu não estava inseguro, quem estava era o Coppola. Ele tinha de dirigir o filme sob circunstâncias estranhas", lembra, como um eufemismo do risco de ser demitido a qualquer momento, a Paramount pronta para substituir o diretor e crente de que James Caan —que interpreta Sonny— deveria viver Michael —e não um certo Pacino, iniciante de raízes italianas.

"Mas [Coppola] queria fazer de um jeito e seguiu esse caminho, mesmo com as possíveis repercussões do estúdio. E é ótimo trabalhar para ele, um grande diretor", diz Duvall, que também já experimentou essa posição em filmes como "O Apóstolo", de 1997, "O Tango e o Assassino", de 2002, e o faroeste "Cavalos Selvagens", de 2015.

Aliás, além de ter se tornado um "ranger" honorário pelo Texas em 2011 —uma espécie de xerife—, Duvall não esconde o entusiasmo por caubóis ao saber que dá entrevista para um veículo do país com uma das maiores festas de rodeio do mundo, em Barretos, no interior paulista.

"Minha mulher [a atriz Luciana Pedraza] é faixa marrom em jiu-jítsu brasileiro está a caminho da faixa preta", tergiversa Duvall, que completou 91 anos em janeiro, citando a cônjuge que também estrelou filmes dele.

Voltando a Coppola, a admiração mútua não impediu certos atritos. Apesar do papel coadjuvante de Duvall, o final de "O Poderoso Chefão 2" deixa clara a discórdia entre Michael e o Corleone adotivo que se manteve mais fiel à família que algumas ovelhas da prole de don Vito. Em uma possível continuação, a disputa se daria entre os dois.

Quinze anos depois do segundo filme, Duvall foi chamado para interpretar Hagen novamente, mas os entraves comerciais do estúdio fizeram com que ele recusasse o papel. Como afirma em entrevistas desde os anos 1990, "O Poderoso Chefão Parte 3", para ele, não chega aos pés dos outros dois, e todos os atores só o teriam feito por dinheiro.

Em especial pelo fato de que Duvall receberia cinco vezes menos que Pacino no filme e ficaria um pouco abaixo de Diane Keaton nesse quesito. Pode ter pesado também para ele o fato de, em 1990, ele já ter recebido um Oscar de melhor ator por "A Força do Carinho" —enquanto Al Pacino só receberia a estatueta em 1993, com "Perfume de Mulher".

"Não tem nada a ver com o Oscar", afirma o ator. "Foi uma questão de grana. Se eles não pagam, eu não atuo", crava, com um trocadilho que se perde na tradução —"if you don't pay, then you don't play".

"Você pega os trabalhos conforme eles vêm. Posso fazer um filme pequeno ou grande, antes ou depois de um Oscar. Eles não queriam me pagar, então não ia me preocupar de não estar no filme", conta, sem arrependimentos.

A decisão, porém, fez com que Coppola e Mario Puzo, escritor do romance original, tivessem de encontrar uma solução às pressas —tanto que a morte de Hagen é citada bem "en passant" no filme.

Mas, ao contrário da vindoura série "The Offer", que promete contar os bastidores de "O Poderoso Chefão" de maneira ficcionalizada, Duvall —que mal ouviu falar dela— guarda memórias singelas e anedotas da convivência com Marlon Brando —"ele era um 'padrinho' ('godfather') para os jovens atores, como eu, Dustin Hoffman e Gene Hackman"— e James Caan —"só sua presença deixava tudo bem".

Com o ator experiente, aliás, Duvall aparece em uma das fotos de bastidores mais curiosas e hilárias, segurando o script de Brando do peito para baixo. "Ele dizia que conseguia ser mais espontâneo se ele lesse as falas", lembra. Já Caan, com seu humor nova-iorquino, metralhava piadas as quais Brando demorava para entender, antes de sair gargalhando. "O primeiro 'Poderoso Chefão' foi mais divertido", defende Duvall.

Hoje, se se depara com o filme na TV, para, admira sua beleza, mas também parece contemplar certa melancolia. "Às vezes vivemos no passado, porque ele pode ser maravilhoso e até ajudar o presente. Mas eu me lembro dos 25º aniversário do filme, e agora estamos no 50º. O tempo passa."

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