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'Cantiga de Exílio' desliza ao pôr seu grupo social acima da terra natal

Autora Edith Elek parte do ponto de vista burguês para buscar a própria identidade após família húngara imigrar para o Brasil

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Luisa Destri

Cantiga de Exílio - Minha Pequena Tribo Húngara e Eu

  • Preço R$ 49 (132 págs.)
  • Autoria Edith Elek
  • Editora 7Letras

Apresentado pela própria autora como "um recorte, um olhar sob as lentes de um microscópio de algumas pessoas em fuga por causa da Segunda Guerra Mundial", "Cantiga de Exílio: Minha Pequena Tribo Húngara e Eu", de Edith Elek, se concentra em histórias de sua família, emigrada para o Brasil, e nas consequências, para a sua trajetória pessoal, do fato de sentir-se pertencente a duas culturas.

Definindo seu coração como um pêndulo que oscila entre as paisagens, as músicas e a culinária da Hungria e a sensação de familiaridade proporcionada pelo país onde nasceu em 1945, Elek conta ter perguntado na infância ao pai se, afinal, seria húngara ou brasileira. Como resposta, recebeu outra pergunta: "Se uma gata dá à luz dentro do forno de uma padaria, o que nasce é pãozinho ou gatinho?".

edith elek em preto e branco
A escritora Edith Elek, que publica o livro "Cantiga de Exílio" - Divulgação

Advogado, o pai desembarcou por aqui aos 25 anos, em 1940, a fim de evitar a convocação do Exército, que certamente viria, para lutar na Segunda Guerra Mundial. Foi acompanhado do irmão e da irmã, e acabaram por não ver mais os pais.

Já do lado da mãe, a decisão de emigrar partiu do avô, que, como solução temporária para proteger a família durante a guerra, aceitou uma oferta de trabalho como arquiteto na Argentina. Tendo o visto negado, instalou-se com a mulher e as duas filhas em São Paulo, onde permaneceu até o fim da vida.

Ainda que a história e a ligação com duas pátrias possam ser familiares para muitos brasileiros, algumas características do livro talvez provoquem estranhamento no leitor. Duas delas estão relacionadas ao título.

A expectativa de um relato pessoal é cumprida apenas depois de um prólogo, no qual a autora esclarece as razões que a levaram a escrever sua história. Essas páginas de abertura, embora não pretendam dissertar sobre o assunto, passeiam por conceitos compartilhados por outros escritores dedicados ao tema –alguns dos quais identificados em epígrafes, como o ensaísta Edward Said–, apresentam algumas "peculiaridades húngaras", anedóticas e históricas, e oferecem informações de contexto.

Elek, que é também autora do livro de poemas "Pedaço de Mim" (2019), jornalista, terapeuta especializada em pacientes oncológicos, editora de livros e tradutora de húngaro, conta que a decisão de escrever a história da família foi precipitada pela visita a uma exposição de objetos de uma antiga fazenda brasileira. Lamentando não ter uma coleção do tipo por ser filha de imigrantes, afirma fazer parte do grupo de pessoas "que mais sofre com a fuga de sua terra natal", a burguesia.

Como diz, enquanto os camponeses pobres encontram melhores condições no novo país e a elite tem meios para manter elevado padrão de vida mesmo em novas circunstâncias, esse grupo de pessoas perde "seu mais rico tesouro: o domínio do espaço, a rede de conhecimentos, o bom uso da cidade em que vivem". Essa é, segundo a autora, a "tribo" anunciada no subtítulo, o que pode representar uma segunda razão para surpresa –pois desloca a ideia de grupo étnico para uma classe social.

Esse é provavelmente o ponto de vista que organiza trechos mais ligeiros da narrativa, como o episódio em que a jovem Edith perde um relógio Pathek Phillip oferecido pela tia, ou comentários passageiros e mais puramente pessoais, como a opereta "passé" vista em Budapeste.

É quando se empenha em compreender mais profundamente personagens e questões da família que a narrativa cresce, envolvendo de maneira mais intensa o leitor: o silêncio do pai, a elegância e a dedicação do avô, o jeito pouco maternal da mãe –e, sobretudo, a origem judaica dos Elek, explorada de maneira intrigante ao longo dos capítulos.

Como é próprio do exílio, a busca pela própria identidade é um exercício feito na companhia constante da alteridade.

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