Como artista chacoalhou machismo nos EUA com esculturas gigantes de látex

Aos 80, Lynda Benglis ganha primeira mostra no Brasil e conta que se divertiu ao entrar em universo dominado por homens

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São Paulo

Lynda Benglis fazia uma de suas primeiras obras conhecidas como "corais-cérebro", com a superfície estriada que lembram o exosqueleto e o órgão humano, quando sua mãe teve um derrame. "Vê-la numa cama de hospital, em coma, me assombrou ainda mais, mas eu continuei a entender, ou a não entender, o que acontece com a matéria orgânica enlouquecendo", conta a artista americana, hoje com 80 anos.

"Eu já tinha professado antes a ideia de que a matéria poderia ou iria tomar sua própria forma quando comecei a despejar látex [para fazer as obras], e me pareceu muito lógico continuar meus esforços mudando de materiais e trabalhando com eles de forma sistemática."

O que Benglis fez a partir do fim dos anos 1960 com as peças feitas de borracha derramada diretamente no chão foi chacoalhar o universo masculino da escultura.

Retrato preto e branco de mulher branca sentada em um banco
A artista americana Lynda Benglis em ensaio para a Interview Magazine em 2015 - Sebastian Kim/Cortesia de Lynda Benglis e Interview Magazine/Divulgação

Imagine que a cena de Nova York estava tomada pelas luzes fluorescentes de Dan Flavin, pelas obras geométricas no chão de Carl Andre, ou seja, pelo minimalismo e pela ordem. O látex despejado, desordenado e muitas vezes colorido apontava para uma outra direção —uma que foi frequentemente comparada ao que Jackson Pollock tinha feito com seus "drip paintings".

As obras se desmembraram numa investigação sobre seus gestos, e como cada uma das matérias com que trabalha, da argila à borracha, se comportam a partir da intenção da artista.

Parte do corpo de trabalho da americana de Louisiana feito nos últimos 13 anos é exibido agora na galeria Mendes Wood DM, em São Paulo, na primeira mostra individual dela no Brasil.

Ela relembra numa entrevista a este jornal, por email, quais foram seus primeiros gestos. Empurrar uma laranja contra o batente da porta com um ano de idade, ou, já mais velha, aprender a arremessar uma bola com as próprias mãos. Desde então, diz ela, tudo é percebido a sua volta como gestos.

"Minha mente e meu corpo físico se fundiram com o material líquido", afirma. "Eu me tornei uma só com o material. O gesto é só o processo em que o material se torna uma forma, e o resto é artefato [arte e fato]."

A exposição empresta o termo "Frozen Gestures", gestos congelados, para seu título. Foi Robert Pincus-Witten quem cunhou o termo para descrever o trabalho de Benglis ainda em 1974, só quatro anos depois de ela aparecer na capa da revista Life.

Ele tentava dar conta ali de descrever esses objetos "amorfos e inespecíficos, ainda não realizados" e "infinitamente ligados à forma", como ele escreveu na ocasião.

A aparência estática e, ao mesmo tempo, frágil da matéria aparece na mostra especialmente em "Black Ice", um conjunto de três esculturas feitas de cones empilhados que também se referem às "Três Graças", as deusas do banquete e da prosperidade na cultura grega.

É um trânsito entre o que é orgânico e o que é mecânico, com algo que parece ser tanto um fluxo de água quanto uma matéria artificial tal qual o plástico. Nas esculturas de papel que ela mesma chama de "Pele", com folhas esticadas numa estrutura de arame exposta, são os pigmentos fosforescente que delatam que tudo é sintético.

'Silver Pair', obra de 2015 de Lynda Benglis em mostra na Mendes Wood DM, em São Paulo
'Silver Pair', obra de 2015 de Lynda Benglis em mostra na Mendes Wood DM, em São Paulo - EVERTON BALLARDIN/Cortesia de Lynda Benglis e Mendes Wood DM/Divulgação

"Com esses trabalhos, realmente me tornei um urubu. Pensei mesmo em mim mergulhando em tiras de carne, voando com elas e dobrando-as como fiz com o barro", diz ela, em referência a outro conjunto de obras que também está na galeria.

"Deixei o papel secar no ateliê quente no deserto, peguei a polpa de papel e apertei com as mãos, e adorei passá-los por cima do arame como se fosse fazer um churrasco."

A carne, ou seja, o corpo, ocupa um lugar fundamental no trabalho de Benglis, inclusive no anúncio emblemático que ela fez em 1974 na revista Artforum e que ainda é um de seus trabalhos mais aclamados, provavelmente pelo choque que causa até hoje.

Ela estava próxima dos 33 anos de idade quando decidiu publicar um autorretrato dela nua, com o corpo bronzeado e um grande dildo de plástico, ao lado do artigo de Pincus-Witten —sim, o do termo "gesto congelado". A americana, hoje, acha o tema que levantou na obra batido, e nem inclui mais o trabalho nas suas apresentações e aulas.

Mas é fato que a foto foi escandalosa na época aquela emulação de uma masculinidade que, em última instância, é feita de plástico. Ela mesma descreveu o ato como uma ridicularização "da pin-up e do macho".

Benglis já disse em entrevistas antigas que, no começo de sua carreira, ficou muito intrigada por uma pequena escultura de Eva Hesse, alemã radicada nos EUA que morreu só aos 34 anos e ficou conhecida por obras de plástico e fibra de vidro que já apontavam para um corpo perecível e por uma repetição de formas que nunca tem o mesmo resultado.

Hesse era uma das mulheres que agitavam esse cenário. A Universidade da Califórnia, onde Benglis deu aula nos anos 1970, começava a ferver com programas como o de arte feminista, de Judy Chicago. Como foi para a americana entrar nesse universo dominado por homens? "Muito divertido. Você consegue ver que eu me diverti muito."

Lynda Benglis: Frozen Gestures

  • Quando Até 29/5. Seg. a sáb., 11h às 19h
  • Onde Mendes Wood DM - r. Barra Funda, 216, Barra Funda, região oeste, mendeswooddm.com
  • Preço Gratuito
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