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'Suzanne Daveau' merece ser descoberto pelo afeto com que retrata geógrafa

Entrevista e imagens de arquivo guiam visão singela, ainda que convecional, sobre vida e obra de franco-portuguesa

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Suzanne Daveau

  • Quando Estreia nesta quinta (26)
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação Livre
  • Produção Portugal, 2019
  • Direção Luisa Homem

É comum dividirmos o cinema entre filmes de ficção e documentários. É uma divisão simplória, serve apenas para facilitar classificações mercadológicas e um maior didatismo de análise. A divisão permite também perceber que hoje em dia os documentários são mais numerosos que as ficções.

Sabemos que há diversos tipos de documentários e ficções, incluindo uma enormidade de filmes que mantêm uma relação pendular com os dois campos, como herança do cinema moderno do pós-Guerra. Logo, a divisão é cada vez mais problemática.

cena de filme
Cena do documentário 'Suzanne Daveau', dirigido por Luisa Homem - Divulgação

Ainda assim, é mais fácil fazer o que se convencionou a chamar de documentário do que uma ficção. Isso porque o documentário trabalha com descobertas, seja na câmera, seja na montagem, ou ainda nas pesquisas prévias. O planejamento se dá de uma outra forma e normalmente documentaristas de primeira viagem não julgam necessário pensar em estética. Certo ou não, é o valor da descoberta, dos cineastas ou do público, que determina o sucesso de um documentário, mais do que sua realização.

No panorama do documentário português, que nos deu recentemente uma obra de grande valor estético como "Campo", de 2018, e, em 2010, a obra-prima "Wolfram - A Saliva do Lobo", podemos dizer que "Suzanne Daveau" é um documentário conservador. Nele há preocupação estética, mas se faz presente a velha fórmula das entrevistas auxiliadas por imagens de arquivo, sobretudo fotos, para contar a história da geógrafa francesa cujas pesquisas sobre Portugal foram de grande importância científica.

A geógrafa franco-portuguesa Suzanne Daveau em entrevista para a Rádio e Televisão de Portugal
A geógrafa franco-portuguesa Suzanne Daveau em entrevista para a Rádio e Televisão de Portugal - Reprodução

Conservador também quando comparado a outro documentário assinado pela mesma diretora, Luísa Homem, chamado "As Cidades e as Trocas". É de 2014 e realizado em parceria com Pedro Pinho, o diretor de "A Fábrica do Nada", de 2018. A dupla vai a Cabo Verde observar os trabalhadores das regiões portuárias e as regiões turísticas. É um filme mais em sintonia com o tipo de cinema feito neste século, embora não seja superior por causa disso.

Conservadorismo não é pecado em arte, e obras modernas podem ser conservadoras em muitos aspectos. O conservadorismo de "Suzanne Daveau", contudo, vai somente até certo ponto, já que a corajosa insistência no formato termina por exigir do espectador mais do que ele está habituado, ou seja, é um filme que não dialoga com as falsas regras do dinamismo de montagem e respeita o tempo da entrevistada, suas pausas e suas lembranças.

cena de filme
Cena do documentário 'Suzanne Daveau', dirigido por Luisa Homem - Divulgação

Em alguns momentos, um bloco estético se estende por tempo incomum, geralmente quando uma sequência de fotos é mostrada só com um singelo e minimalista acompanhamento musical. São na verdade interlúdios musicais com paisagens importantes para a geógrafa, dispostas de modo a descansar nosso olhar e nossa concentração pelo encantamento com a beleza da natureza e da humanidade.

"Suzanne Daveau" é superior à imensa maioria de documentários contemporâneos porque muitos deles, na ânsia de retratar a verdade, são apenas peças jornalísticas com valor cinematográfico nulo ou quase ausente.

Sua descoberta, encontrada na entrevista com a biografada, mas também no inteligente encadeamento das imagens, é valiosa —um entendimento e um olhar de Portugal e do mundo pela impressão de alguém que quase sempre era estrangeira.

Mas há uma outra descoberta, em nível mais profundo, e por isso mais interessante —a voz de Suzanne Daveau, num tom entusiasmado ao falar de seu trabalho e de seu companheiro de 37 anos, o português Orlando Ribeiro, permite que entendamos melhor sua natureza alegre, que ri de suas próprias ideias e tem uma paixão contagiante por tudo que faz.

Pode não ser um exemplo de vanguarda, como também não é um retorno ao tipo de documentário mais estilizado que se fazia no século 20, mas vai um pouco na contramão do que se faz hoje, ou seja, seguir fórmulas para seleções em festivais internacionais. "Suzanne Daveau" tem a coragem de seguir sua proposta estética até o fim e por isso merece uma chance de ser descoberto.

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