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'Pleasure' despe a indústria pornô pelo olhar feminino de cineasta ex-militante

Sueca Ninja Thyberg expõe bastidores sem idealismo, refletindo cultura do estupro e da pedofilia integradas à sociedade

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Toulouse (França)

​Quando tinha 16 anos, a cineasta sueca Ninja Thyberg viu um filme pornô pela primeira vez, incentivada pelo namorado. "Virei ativista antipornô, porque achei que aquilo era muito degradante e violento para as mulheres, tudo era para satisfazer os homens. Desde então foi uma longa jornada", diz ela.

A jornada de Thyberg desemboca no lançamento de "Pleasure", ou prazer, longa escrito e dirigido por ela que chega agora ao Brasil pela Mubi após turnê de prêmios e festivais de cinema independente e que conta a história de Bella Cherry, uma jovem sueca que vai a Los Angeles atrás do sonho americano. Mas, no caso dela, o sonho é o de se tornar uma grande estrela pornô.

Sofia Kappel (Bella) em cena do filme 'Pleasure', dirigido por Ninja Thyberg - Plattform Produktion

Recém-chegada, ela divide uma casa com outras atrizes, faz postagens picantes nas redes sociais que envolvem bananas ou esperma para conquistar seguidores e logo percebe que, para chegar ao topo, deve aceitar fazer cenas mais difíceis, como as com sexo anal ou nas quais é amarrada e pendurada por cordas.

O caminho de Thyberg até o filme teve como ponto de partida a militância feminista antipornografia, mas passou pela transformação de suas ideias, que se deu por uma longa pesquisa sobre a indústria pornô na universidade, por um curta-metragem —de 2013, homônimo ao longa, sobre uma atriz que se prepara para fazer um duplo anal em cena— e por cinco anos mergulhada no universo pornô em Los Angeles.

Ela conta que, ao mesmo tempo em que militava pelo fim da pornografia, assistia a muitos filmes do tipo e que eles a excitavam. "Se eu, que tinha todos aqueles argumentos contra o pornô, continuava a assisti-lo, como é que poderia pensar em convencer os homens a parar de assistir àquilo?", diz em entrevista por vídeo de Estocolmo. Convencida de que o desejo por imagens de sexo não desapareceria, ela passou então a buscar entender as pessoas que trabalham com essas imagens.

No filme, todos os que aparecem na tela são atores, atrizes e membros de equipes de filmes pornô de Los Angeles, com exceção de Bella, interpretada pela estreante Sofia Kappel. Após um ano e meio de buscas na Suécia por uma atriz para viver a protagonista, Thyberg conheceu a jovem, que nunca havia atuado, por um amigo em comum.

"Estava quase desistindo quando a conheci", conta a diretora. "Precisava de alguém que fosse engraçada, jovem, vulnerável, mas inteligente e forte o suficiente para que o público não sentisse que deveria ir resgatar a personagem", diz.

Kappel trabalhava com vendas e em call centers e, à época, vivia um transtorno dismórfico corporal, que afeta a percepção que a pessoa tem de sua imagem corpórea, com preocupações excessivas sobre defeitos em partes do corpo.

"Eu não estava feliz comigo mesma, mas, na primeira audição para o papel, tive essa experiência de sair do meu corpo. Eu não era mais eu, e isso foi muito bom", conta a atriz, que passa boa parte do filme de roupas íntimas ou de biquínis e maiôs.

Antes das filmagens, atriz e cineasta escolheram juntas os outros membros do elenco. As audições eram abertas a todos, mas elas acabaram escolhendo apenas pessoas que já tinham experiência no pornô, acostumadas à nudez, explica Kappel.

"Comparo a ir ao ginecologista. Você sabe que vai ser desconfortável, mas não há nada ali que eles não tenham visto antes. Prefiro ficar pelada em meio a atores pornô do que em meio a atores comuns", diz a atriz.

Kappel também teve seus preconceitos transformados uma vez que conheceu e se tornou amiga dos trabalhadores do pornô. "Parei de me perguntar porque uma pessoa faria pornôs, porque há muitas respostas possíveis, e eu não perguntaria isso a alguém que trabalha num supermercado, por exemplo", diz. "Comecei a ver as semelhanças e não mais as diferenças entre nós."

"Eu achava que eu sabia mais que elas", diz Thyberg sobre as atrizes pornô, "e então percebi que elas sabiam muito mais sobre patriarcado do que eu, e que não são nada estúpidas. Elas tiram seus benefícios dessa indústria e podem sim estar numa posição de controle, ganhando dinheiro e manipulando o espectador."

Em "Pleasure", porém, a indústria da pornografia não é romantizada. A pior faceta desse meio é explorada numa cena difícil de assistir, em que Bella se vê obrigada a fazer no set de filmagem mais do que pretendia. "O pornô revela muito sobre nossa sociedade", diz a diretora. "Ele é racista, sexista, flerta com o estupro e com a pedofilia porque isso faz parte de nossa cultura. Não é culpa da pornografia."

"Espero que o público aprenda sobre a indústria do pornô com esse filme, sobre os diferentes tipos de set que existem, sobre como é feito", diz Kappel, "e que percebam que as pessoas que fazem pornô são seres humanos e não robôs."

A atriz diz que não consome mais pornografia —"não acho que se possa ficar excitada vendo seus amigos em todo canto"–, mas que há uma lição muito importante que aprendeu: "pague pela pornografia que você consome".

Pleasure

  • Quando A partir de 17 de junho na Mubi
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Sofia Kappel, Zelda Morrison, Mark Spiegler
  • Produção Suécia, Países Baixos, França, 2021
  • Direção Ninja Thyberg
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