Descrição de chapéu Artes Cênicas

Claudia Abreu encarna Virginia Woolf em colapso mental num palco todo seu

Escrita durante a pandemia, peça 'Virginia' é o primeiro texto dramatúrgico da atriz, que se inspira em vida e obra da autora

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Claudia Abreu, que interpreta Virginia Woolf em monólogo, no Sesc 24 de Maio Karime Xavier/Folhapress

São Paulo

Neste sábado, dia 9 de julho, feriado paulista que comemora a Revolução de 1932, a atriz carioca Claudia Abreu estreia "Virginia", primeiro monólogo de sua carreira e primeira peça escrita por ela, no Sesc 24 de Maio.

O espetáculo, que tem uma hora de duração, se passa nos momentos finais da vida da escritora britânica Virginia Woolf, que, aos 59 anos, deixou um bilhete de despedida para o marido e a irmã, vestiu um casaco com os bolsos cheios de pedras e entrou no rio Ouse, perto de sua casa, onde morreu afogada. Seu corpo foi encontrado por um grupo de crianças três semanas depois.

A atriz Claudia Abreu, que interpreta Virginia Woolf em monólogo, no Sesc 24 de maio - Karime Xavier/Folhapress

"A peça se passa nos últimos instantes antes de ela morrer, naquele último átimo de consciência. Quando ela relembra a vida, sem ordem cronológica, pensa em tudo o que aconteceu para ela estar ali, com pedras nos bolsos, embaixo d'água", conta a atriz. "É o inventário íntimo dela."

Virginia Woolf é considerada uma grande inovadora na escrita literária de língua inglesa, principalmente pelo uso do chamado fluxo de consciência, técnica que alterna o pensamento lógico com impressões pessoais momentâneas e associações de ideias. Não é a criadora desse recurso literário, mas o usou com muito êxito em seus livros de ficção. Os mais conhecidos de sua obra são "Mrs. Dalloway", de 1925, "Ao Farol", de 1927, "Orlando: Uma Biografia", de 1928, e a "As Ondas", de 1931.

Além disso, foi uma ensaísta e pensadora revolucionária, que questionava a condição feminina, as regras das famílias, as questões amorosas e a dificuldade de se criar uma obra sendo uma mulher. O nome de seu livro de ensaios mais conhecido, lançado em 1929, é um resumo do que a escritora acreditava ser fundamental para que uma mulher pudesse se dedicar a qualquer projeto artístico –"Um Teto Todo Seu".

Na verdade, a frase completa é "uma mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu, um espaço próprio, se quiser escrever ficção". Claudia Abreu, que tem 35 anos de uma carreira cheia de sucessos na TV, no cinema e no teatro, tem dinheiro, e foi com recursos próprios que bancou toda a produção deste espetáculo, desde a escrita do texto até a montagem que estreia neste sábado. "Não quis entrar na lei", diz, se referindo à Lei Rouanet, de incentivo à cultura, alvo preferencial de bolsonaristas.

Mas ela não tem um teto todo para si. Aliás, a mulher do cineasta José Henrique Fonseca e mãe de quatro filhos, que têm hoje entre dez e 21 anos de idade, tem poucas oportunidades de ficar sozinha. E escreveu o monólogo durante a pandemia, que passou com a família entre Lisboa e uma casa na região serrana do Rio de Janeiro.

"Tive que cavar espaços, escrevia e improvisava em qualquer lugar, banheiros, terraço, onde desse. Eu gravava meus improvisos, depois transcrevia e transformava em dramaturgia", conta. "E gravava áudios de celular para mim mesma quando não queria esquecer uma ideia."

"As mulheres sempre são muito interrompidas, mesmo que estejam trancadas em um escritório. Toda hora vai alguém lá perguntar o que tem de almoço ou algo assim", contou a atriz, que participa ativamente do dia a dia dos quatro filhos, inclusive encontrando momentos para ficar a sós com cada um deles.

"Eu adoro, levo, busco, faço questão de estar junto. E acho que nada é mais extraordinário do que ver uma pessoa se desenvolver, então estou atenta a tudo o tempo todo", afirma. "Claro que educar é muito difícil, ainda mais nos nossos tempos, mas ser mãe é a coisa que eu mais gosto de fazer."

Virginia Woolf, ou Adeline Virginia Stephen, na certidão de nascimento, não teve filhos. Filha de um editor, Leslie Stephen, frequentou desde cedo o universo literário, apesar de não ter tido uma educação formal, como era costume na época. Estudou com professores particulares e tinha acesso à vasta biblioteca de seu pai.

Sempre quis ser escritora. Seu primeiro artigo foi publicado no suplemento feminino do jornal britânico The Guardian, em janeiro de 1904, quando tinha 22 anos. No mês seguinte, seu pai morreu de câncer, o que provocou uma crise depressiva que se estendeu até o final daquele ano.

Aos 30 anos, ela se casou com Leonard Woolf, com quem fundou a editora Hogarth Press, que revelou autores como T. S. Eliot. E foi depois de casada que publicou seu primeiro romance, "A Viagem", em 1915, no qual trabalhou por nove anos.

Durante sua vida, teve pelo menos cinco episódios graves de colapsos mentais, que não foram diagnosticados. O primeiro aos 13 anos, quando sua mãe, Julia Stephen, morreu. No final da vida, começou a ouvir vozes quando entrava em crise. Menciona o fato em seu bilhete pré-suicídio, diz que sabe que elas vão voltar e não aguentaria passar por mais um episódio.

Foi amante da escritora aristocrata Vita Sackville-West, que serviu de inspiração para o livro "Orlando: Uma Biografia", em que o personagem principal vira uma mulher no meio da trama, sem nenhuma explicação.

Vários de seus livros já foram adaptados para o cinema –"Orlando", com Tilda Swinton, em 1992, "Mrs. Dalloway", com Vanessa Redgrave, em 1997, e sua vida inspirou o longa-metragem "As Horas", de 2002, que rendeu o Oscar de melhor atriz para Nicole Kidman, que interpreta a escritora britânica. E seu nome está no título de um filme que não tem nada a ver com sua obra, mas é incrível, "Quem Tem Medo de Virginia Woolf", de 1966, com Elizabeth Taylor e Richard Burton.

O universo sombrio de Virginia Woolf parece contrastar com a presença leve e solar de Claudia Abreu. Mas a atriz conta que, quando voltou a ler a autora, depois de sua primeira gravidez, sentiu uma forte identificação. "Sabe esses encontros que você tem na literatura, ou com um ator, ou um filme, que parece que falam diretamente com você? Às vezes era um detalhe, uma frase, mas falava muito sobre mim sem que eu mesma conseguisse expressar", ela diz.

Então, foi atrás de biografias, dos diários, das memórias de Woolf. "Ela me acendeu vários fogos, e o primeiro deles foi a vontade de escrever, de botar a minha voz, de dar a minha opinião através dessa obra", conta. "Mas também não queria abrir mão dessa personagem, porque o que mais me interessa é o ser humano. Então teve um casamento desses dois desejos."

Neste fim de semana, Claudia Abreu estreia como dramaturga, atriz de monólogo e também escritora. A versão em livro da peça será lançada na mesma data pela editora Nós, que publicou vários livros de Virginia Woolf no Brasil, que estarão à venda no saguão do teatro.

"Não precisa conhecer nada de Virginia Woolf para entender a peça. Mas, se eu despertar no espectador a vontade de ler a obra dela, estará ali, ao alcance de todo mundo."

Virginia

  • Quando De 9 de julho a 7 de agosto. Qui. e sex, às 20h; sáb. e dom., às 18h
  • Onde Sesc 24 de Maio - r. 24 de Maio, 109, São Paulo
  • Preço De R$ 12 a R$ 40
  • Classificação 12 anos
  • Autor Claudia Abreu
  • Direção Amir Haddad
  • Link: https://www.sescsp.org.br/programacao/virginia/
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