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Matilde Campilho estreia na prosa em 'Flecha' e celebra a história de contar histórias

Autora do sucesso 'Jóquei' é uma das estrelas da Bienal do Livro de São Paulo e diz se fiar agora numa escrita com menos pressa

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São Paulo

"Há muitos anos que não escrevo poesia", diz a portuguesa Matilde Campilho, que se tornou num só livro curto, "Jóquei", uma das poetas mais celebradas de sua geração.

Ao explicar o porquê de hoje priorizar contos e ensaios, a escritora não exibe qualquer sinal de menosprezo pelo gênero que a tornou conhecida, mas desenha um fascínio cada vez mais amplo pela literatura —o caminho da poesia à prosa não é evolução, mas metamorfose.

"Da poesia herdei muitas coisas —a forma de observar, a atenção ao detalhe, àquilo que não é dito; a atenção ao que está por trás do aparente real", diz, em entrevista, a autora que é um dos destaques da Bienal do Livro de São Paulo. "Mas, na hora de transformar, hoje firmo muito mais a minha escrita numa prosa concreta e descritiva."

mulher olha câmera com camisa azul e mão sobre a boca
A escritora portuguesa Matilde Campilho, autora de 'Flecha' e um dos destaques da Bienal do Livro 2022 - Ana Paganini/Divulgação

"Poesia tem mais a ver, para mim, com embate —é o espanto do mundo derramado na página, ou uma tentativa disso. Havia uma espécie de pressa na minha poesia. A prosa tem mais tempo e é mais contínua. Explica as coisas mais devagar. Tenho 40 anos, agora agrada-me bastante o tempo assim mais lento."

A nova fase de Campilho está expressa em "Flecha", um livro com centenas de narrativas curtas, poucas com mais de uma página, boa parte com menos de dez linhas —exercendo um dom raro de construção de mundos inteiros em poucas frases.

"Passou cinco anos a estudar plantas e flores e frutos e caules na universidade. No fim recebeu um papel reciclado e assinado e que confirmava a sua existência como botânico. Hoje ele está sozinho, sentado no cume da montanha, observando a mesma pétala púrpura de genciana há mais de 18 horas. Nela, finalmente, consegue achar a impressão natural do rosto de sua avó morta."

Este aqui é um conto inteiro, nem dos menores da coletânea. Como em vários deles, Campilho recorre à artimanha da conclusão insólita, típica dos contistas. Em outro texto, o menino Alfredito fica preso na gola da própria blusa, lembra como sua mãe o ensinou a se vestir, apenas para um final melancólico revelar que ele vive sozinho há anos.

É um livro que soa como experimentação de uma escritora com deslumbre pelo mundo a sua volta, assim como soava "Jóquei", mas ela ressalta que há "pouquíssimas semelhanças" entre os dois.

O novo livro, diz ela, traz "a ideia de uma flecha que é lançada no começo do mundo e que vai atravessando vários tempos, várias épocas, vários quartos e campos de batalha". "Contar histórias muito diferentes entre si, sem uma manifesta ligação (à exceção de duas ou três), mas afinal conectadas por essa passagem."

A edição brasileira do livro abre com um breve ensaio em que Campilho explicita essas intenções, no que era o texto de fechamento da edição portuguesa da obra, publicada em 2020.

Além disso, só nesta versão que acaba de sair há uma espécie de índice que mostra as referências reais —imagens, biografias, acontecimentos— que inspiraram a imaginação de Campilho.

As anotações "existiam nos meus papéis, na minha parede, algumas apenas na minha cabeça", diz a escritora. O livro não precisa delas para funcionar, mas ela afirma acreditar numa literatura que seja a mais aberta possível. "Este é um livro que aponta para as histórias como fator de união, como facilitadoras de comunidade. Quanto mais claro o livro puder ser, melhor."

"Flecha" funciona, na verdade, como uma homenagem ao ato de contar histórias, como fica claro pelas palavras empolgadas que a autora derrama nesta entrevista, que fez questão de conceder por escrito.

"É antes um levantar de chapéu à literatura em si, à sua existência. Tem uma postura de gratidão", afirma. "Com este livro eu quis fazer uma mistura entre a literatura como a reconhecemos hoje, que ainda deriva dos clássicos; e a literatura oral, a da conversa, a da partilha do trivial."

"Quis aliás focar o texto várias vezes em situações banais, de aparência indiferente, mas nem por isso sem relevância. Porque afinal, a meu ver, a vida é mesmo feita desses gestos menores. Os grandes, os inaugurais, contam-se pelos dedos."

Flecha (Histórias)

  • Preço R$ 59 (351 págs.)
  • Autoria Matilde Campilho
  • Editora 34
  • Lançamentos Na Bienal, quinta (7) e domingo (10), às 17h; na Livraria da Travessa em Pinheiros, sábado (9), às 16h
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