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'Uprising' ecoa presente ao querer ser mais uma testemunha do racismo

Episódios da premiada série de televisão britânica estão em exibição na 11ª Mostra Ecofalante de Cinema até o dia 17

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Belo Horizonte

Uprising

Existe uma preocupação aparentemente genuína em "Uprising" que vai além da denúncia e do clamor por justiça.

A série britânica de Steve McQueen e James Rogan, cuja estreia nacional ocorreu nesta terça (9) na 11ª Mostra Ecofalante de Cinema, retoma o incêndio que impulsionou uma forte reação da comunidade negra britânica num movimento pelos direitos civis por todo o Reino Unido —as exibições vão até quarta (17).

Em 18 de janeiro em 1981, o fogo pôs fim a uma festa que reunia dezenas de jovens negros em New Cross, em Londres, matando 13 deles e ferindo diversos outros.

Cena em preto e branco da série documental 'Uprising', de Steve McQueen e James Rogan, sobre a luta da população negra britânica por justiça
Cena da série documental 'Uprising', de Steve McQueen e James Rogan, sobre a luta da população negra britânica por justiça - Divulgação

Diante das denúncias de que o incêndio teria sido criminoso, da escalada da brutalidade policial contra as pessoas negras na região e das ações da Frente Nacional, organização fascista que pregava a repatriação dos imigrantes negros e de seus descendentes, McQueen e Rogan constroem uma série documental comprometida em se tornar testemunha do racismo, historicizando a luta contra essa segregação.

Nos três episódios da série, McQueen felizmente abandona a espetacularização da violência contra corpos negros que caracterizou "12 Anos de Escravidão", longa ganhador do Oscar de melhor filme em 2014, para trazer humanidade às vítimas do incêndio, entrevistadas 40 anos depois.

É nítido o esforço dos diretores em registrá-las em inteireza, compartilhando suas histórias, desejos e dramas, sem necessariamente enquadrá-las dentro do espaço limitador do trauma. A escolha por planos mais aproximados e o recorrente foco nos olhos dessas pessoas também colaboram para a construção dessa intimidade, costura que vai guiar toda a narrativa.

Por outro lado, nessa opção pela complexidade, a série também corre alguns riscos. É perigoso o modo como ela algumas vezes equaliza o depoimento de ex-policiais com o das vítimas, seja nessa provável tentativa de representar os "dois lados", seja na possível denúncia de que o problema está na instituição, não no indivíduo.

Ao mesmo tempo em que o discurso do documentário mantém seu compromisso com a máxima de Malcolm X ("não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor"), sua linguagem pode apontar para outras interpretações.

Não é que a série não assuma um lado nessa disputa de narrativas, que ainda dá o tom das discussões raciais contemporâneas e se atualiza a cada dia. Pelo contrário. Com os depoimentos, as imagens de arquivo e, sobretudo, com a música que embala boa parte das cenas, os episódios exemplificam, de forma bem didática, as razões pelas quais a luta foi necessária nas décadas de 1970 e 1980 e permanece crucial para os dias de hoje –especialmente em tempos de brexit e de ascensão da extrema direita ao redor do mundo.

Se Margaret Thatcher, por exemplo, à época primeira-ministra do Reino Unido, se diz preocupada com a mistura de culturas proporcionada pela imigração, a comunidade afro-caribenha do país reafirma a sua identidade britânica, reforçando que, como cidadãos, merecem direitos iguais.

Se a estrutura colonial do território, por meio de apagamentos estratégicos ou mesmo coerções mais diretas, dificulta o estabelecimento dessa identidade, eis que surgem Bob Marley e o reggae. O ritmo, como um personagem bem destaca, traduz perfeitamente a ambiguidade da experiência negra no mundo, entre o amor e o ódio.

Se existe a tentativa, num primeiro momento, de culpabilizar as próprias vítimas do incêndio pelo alastramento do fogo, o documentário vai na direção inversa e se esforça em mostrar cada um desses rostos, dando nome, identidade e história aos jovens mortos.

Frente às experiências de morte causadas pelo racismo no país –a literal e a simbólica, calcada no silenciamento e na opressão–, "Uprising" anda de braços dados com as cerca de 20 mil pessoas que, em março de 1981, marcharam no Dia de Ação dos Povos Negros, parando Londres num protesto por direitos e respeito. E encontra, hoje, George Floyd, Genivaldo de Jesus, o menino Miguel e tantos outros que, nos últimos anos, perderam a vida pelos processos de desumanização.

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