Descrição de chapéu The New York Times Folhajus

Dois condenados pela morte de Malcolm X serão absolvidos 55 anos depois

Série da Netflix e investigações de leigos levantaram suspeitas sobre o processo

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Ashley Southall Jonah E. Bromwich
Nova York | The New York Times

Dois dos homens considerados culpados pelo assassinato de Malcolm X deverão ter suas condenações canceladas nesta quinta-feira (18), segundo o secretário de Justiça de Manhattan e advogados dos condenados. A decisão reescreve a história oficial de um dos assassinatos mais famosos da era da luta pelos direitos civis da população negra dos Estados Unidos.

A absolvição dos dois homens, Muhammad A. Aziz e Khalil Islam, representa um notável reconhecimento dos graves erros cometidos no assassinato em 1965 de um dos mais influentes líderes negros dos EUA na luta contra o racismo.

Uma investigação conduzida durante 22 meses pela promotoria pública de Manhattan em conjunto com advogados dos dois homens concluiu que os promotores e dois dos principais órgãos de aplicação da lei do país —o FBI e o Departamento de Polícia da Cidade de Nova York— retiveram evidências que, se tivessem sido apresentadas, provavelmente teriam levado à absolvição dos condenados.

'Quem Matou Malcolm X?', série da Netflix
Cena da série 'Quem Matou Malcolm X?' que levanta dúvidas sobre a participação de Muhammad A. Aziz e Khalil Islam no assassinato do ativista - Divulgação

Os homens, conhecidos na época do crime como Norman 3X Butler e Thomas 15X Johnson, passaram décadas na prisão pelo crime, que ocorreu em 21 de fevereiro de 1965, quando três homens abriram fogo em um salão de baile lotado, o Audubon, em Manhattan, depois que Malcolm X começou a discursar.

Mas o caso contra eles foi questionado desde o início, e nas décadas que se passaram historiadores e curiosos levantaram dúvidas sobre a história oficial.

A revisão —realizada depois que um documentário explosivo sobre o assassinato e uma nova biografia renovaram o interesse pelo caso— não identificou quem os promotores acreditam hoje que realmente matou Malcolm X, e os que foram envolvidos antes, mas nunca presos, já morreram.

Também não descobriu uma conspiração do governo ou da polícia para matar o líder negro e deixou sem resposta perguntas sobre como e por que a polícia e o governo federal falharam em evitar o assassinato. Mas a admissão por Cyrus Vance Jr., promotor distrital de Manhattan, reencena um dos momentos mais dolorosos da história americana.

E, num momento em que o racismo e a discriminação no sistema de justiça criminal são mais uma vez o foco de um movimento nacional de protesto, revela uma verdade amarga: que duas das pessoas condenadas pela morte de Malcolm X —homens negros muçulmanos presos apressadamente e julgados com evidências frágeis— foram vítimas da própria discriminação e injustiça que ele denunciou em linguagem que ecoou por décadas.

Em entrevista, Vance pediu desculpas em nome da polícia, que segundo ele falhou para as famílias dos dois condenados. Essas falhas, afirma, não poderiam ser remediadas, "mas o que podemos fazer é reconhecer o erro, a gravidade do erro".

A nova investigação de Vance, conduzida com o Innocence Project e o escritório do advogado de direitos civis David Shanies, enfrentou sérios obstáculos. Muitos dos envolvidos no caso de assassinato, incluindo testemunhas, investigadores e advogados, assim como outros potenciais suspeitos, morreram há muito tempo. Documentos-chave se perderam e evidências físicas, como as armas do crime, não estão mais disponíveis para testes.

"Isso aponta para a verdade de que a justiça ao longo da história muitas vezes falhou em cumprir suas responsabilidades", diz Vance. "Esses homens não receberam a justiça que mereciam."

Mas a evidência existente era significativa.

Um conjunto de documentos do FBI incluía informações que implicava outros suspeitos e não Aziz e Islam. Anotações de promotores indicam que eles falharam ao revelar a presença de oficiais à paisana no salão de baile no momento do tiroteio. E arquivos do departamento de polícia revelam que um repórter do The New York Daily News recebeu um telefonema na manhã do crime indicando que Malcolm X seria assassinado.

Os investigadores também entrevistaram uma testemunha viva, conhecida apenas como J.M., que sustentou o álibi de Aziz, sugerindo ainda mais que ele não participou do tiroteio e estava em casa, como disse no julgamento, tratando de suas pernas feridas.

De modo geral, a investigação concluiu que, se as novas evidências tivessem sido apresentadas ao júri, poderiam ter levado à absolvição dos dois. E Aziz, hoje com 83 anos, que foi libertado em 1985, e Islam, que foi libertado em 1987 e morreu em 2009, não teriam sido obrigados a passar décadas lutando para limpar seus nomes.

"Isso não foi um simples descuido", diz Deborah Francois, advogada dos homens. "Foi o produto de extrema e grosseira má conduta oficial."

O assassinato

O assassinato ocorreu em um dia ensolarado de fevereiro, no início da que seria uma nova fase na carreira de Malcolm X como líder dos direitos civis.

Um suspeito, Mujahid Abdul Halim, foi detido no salão de baile depois que levou um tiro na perna. Aziz, o Norman 3X Butler, foi preso cinco dias depois, e Islam, ou Thomas 15X Johnson, cinco dias mais adiante. Em uma semana, os três, membros da ordem muçulmana Nação do Islã, tinham sido acusados de assassinato.

No julgamento em 1966, os promotores apresentaram Islam, que tinha sido motorista de Malcolm X, como o assassino que disparou o tiro fatal. Halim e Aziz teriam disparado suas pistolas logo depois. Dez testemunhas oculares disseram ter visto Islam, Aziz ou ambos.

Mas os depoimentos das testemunhas eram contraditórios, e nenhuma evidência física ligava Aziz ou Islam ao assassinato ou mesmo à cena do crime. Os dois tinham álibis verossímeis, apoiados por depoimentos de suas esposas e amigos.

E quando Halim, também conhecido como Talmadge Hayer, depôs pela segunda vez no julgamento e confessou, ele insistiu que os outros dois réus eram inocentes.

Em 11 de março de 1966 os três foram considerados culpados e, um mês depois, condenados à prisão perpétua. Mesmo assim, a evidência apontava para outra teoria para o caso.

Reinvestigando o caso

Parte da evidência que parecia inocentar Aziz e Islam surgiu durante seu julgamento, mas, como informações-chave foram retidas pelas autoridades, sua importância só ficou clara mais tarde.

Um testemunha de defesa, Ernest Greene, afirmou que tinha visto o homem com a pistola e o descreveu como de pele escura, baixo e usando barba "profunda" —o que não combina com Islam, que era claro, magro e sem barba.

Mas a descrição de Greene combinava com outro homem, cujo nome os jurados não ouviram: William Bradley, membro da mesma mesquita da Nação do Islã em Newark, como Halim. Bradley era um propagador da Nação do Islã, na qual Malcolm X havia entrado em 1952 e promovido incessantemente durante 12 anos, antes da ruptura virulenta no ano anterior ao assassinato.

Ele tinha menos de 1,80 m, pesava 82 kg e tinha pele morena. Havia sido membro do pelotão de metralhadoras dos Fuzileiros Navais e seu histórico criminal incluía uma acusação de posse ilegal de arma.

A descrição estava nos arquivos do FBI na época, e Halim até o identificou como um dos assassinos. As autoridades estavam cientes de que a Nação do Islã visava Malcolm X; uma semana antes do crime, a casa dele foi alvo de bombas incendiárias enquanto ele dormia com a mulher e as filhas.

Mas se passaram anos até que a conexão com Bradley se esclarecesse, enquanto uma série de investigadores amadores —jornalistas, historiadores, biógrafos e outros— se ocuparam do caso.

Um dos mais importantes desses civis era Abdur-Rahman Muhammad, que apresentou uma série documental na Netflix no início do ano passado, que voltou à tese da inocência dos dois homens —e a culpa de outros. No lançamento da série, Vance anunciou que reabriria o caso.

Os investigadores, trabalhando com os advogados de Islam e Aziz, examinaram as evidências que haviam sido expostas e analisadas publicamente, incluindo o arquivo do FBI sobre Bradley. (Este, que mudou seu nome para Al-Mustafa Shabazz, morreu em 2018; seu advogado negou que ele tivesse participado do assassinato.)

Os arquivos do FBI continham um relatório afirmando que autoridades de Nova York não tinham sido informadas de que Bradley era um suspeito, assim como o relato de segunda mão de um informante de que ele era o assassino com a pistola.

O grupo também entrevistou uma nova testemunha e reviu pilhas de registros: declarações públicas, arquivos da promotoria, transcrições do tribunal e documentos gerados durante a investigação inicial, procedimentos do júri, o julgamento e apelações após a condenação.

Uma das principais fraquezas da tese do governo, segundo a revisão, foi a confissão de Halim, em que ele inocentou os outros réus.

Embora os três acusados fizessem parte da Nação do Islã, os promotores não traçaram qualquer conexão entre Halim, que frequentava a mesquita de Newark e disse que os coautores do crime eram de Nova Jersey, e Islam e Aziz, que frequentavam a mesquita no Harlem, em Nova York. Várias testemunhas de defesa disseram que Aziz e Islam estavam em casa no momento do assassinato.

Embora a maioria das pessoas que a comissão de revisão tentou entrevistar já estivessem mortas, uma testemunha que inicialmente se apresentou numa exibição do documentário fez um relato que parecia confirmar o álibi de Aziz e nunca fora ouvido pelas autoridades.

A testemunha, identificada como J.M., disse que estava cuidando do telefone na mesquita da Nação no Harlem no dia em que Malcolm X foi morto, quando Aziz ligou e pediu para falar com o capitão da mesquita. Eles desligaram enquanto J.M. foi procurar o capitão; depois J.M. ligou para Aziz no telefone de sua casa, e Aziz atendeu.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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