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Brexit destrói o legado de ferro de Thatcher no Reino Unido

Há 40 anos ela chegava ao poder e dava início a uma revolução liberal no país

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São Paulo

No quadragésimo aniversário da entrada de Margaret Thatcher (1925-2013) no número 10 da Downing Street, o sobradinho em que moram e trabalham

os primeiros-ministros britânicos, o Reino Unido não se parece muito com o país que ela moldou.

Começa pelo fato de que a Baronesa Thatcher de Kesteven fez por merecer o rótulo de “Dama de Ferro” que lhe pespegaram.

A então primeira-ministra Margaret Thatcher participa da convenção do Partido Conservador britânico em 1989 em Blackpool
A então primeira-ministra Margaret Thatcher participa da convenção do Partido Conservador britânico em 1989 em Blackpool - Johnny Eggitt - 13.out.89/AFP

Mereceu-o do primeiro ao último dia de seus 12 anos de reinado (1979-1990). Já a ocupante hoje de Downing Street 10, Theresa May, pode ser chamada de tudo  —em geral de qualificativos pouco generosos— menos de Dama de Ferro.

Seriam inconcebíveis em Thatcher as idas e vindas, as hesitações, as negociações fracassadas com que May conduz o brexit. Se Thatcher ainda fosse primeira-ministra, das duas uma: ou jamais teria proposto um referendo para decidir se o Reino Unido ficaria ou não na União Europeia ou jamais hesitaria em impor que o resultado (no caso o “não”) fosse adotado sem demora e sem contemplações.

Não que Thatcher fosse uma europeísta convicta. Bem ao contrário. Tinha tantas restrições que, por exemplo, impediu que o Reino Unido aceitasse a moeda comum, o euro. Mas achava que, dentro da UE, o Reino Unido poderia conseguir manter uma razoável margem de autonomia e, com isso, preservar muito do “british way of life”.

O caso da criação do euro é uma prova eloquente: o Reino Unido ficou com o bônus do mercado comum europeu mas preservou a tão britânica libra esterlina.

O atual processo do brexit, de resto, está sendo o único instrumento capaz de ameaçar a herança de Thatcher, até há pouco tão de ferro quanto ela própria.

Ela pode não ter inventado o liberalismo, mas levou-o aos limites mais extremos. É justo dizer que foi uma revolucionária, nesse sentido. Como todo revolucionário/a, despertou ódios e amores intensos.

Thatcher assumiu quando o desemprego era elevado e a saída de uma recessão era capenga. Cenário que a ajudou a fazer a revolução liberal, na forma de desregulamentação ampla, particularmente do setor financeiro, privatização do empresas estatais e flexibilização do mercado trabalho.

Para isso, quebrou a espinha dorsal do sindicalismo, que nunca mais se recuperou.

O thatcherismo tornou-se objeto de desejo de liberais pelo mundo afora. Mesmo 40 anos depois de iniciado o seu governo, as medidas que introduziu estão nos sonhos de Paulo Guedes, o liberal ministro brasileiro da Economia.

É verdade que nem sempre foi popular. Ao contrário. Mas, três anos depois de assumir, a ditadura militar argentina cometeu a insanidade de invadir as ilhas Malvinas, que os britânicos consideram serem suas.

De ferro como era, Thatcher reagiu com toda a força militar de um país membro da Otan, a aliança militar ocidental, e destroçou as forças argentinas. Recuperou popularidade.

Tanto se tornou popular que, mesmo após ser afastada da liderança do Partido Conservador e, por extensão, de Downing Street, suas políticas continuaram de pé. Tony Blair, eleito em 1997, o primeiro trabalhista a vencer desde 1979, teve que inventar um novo rótulo para seu governo, em vez de voltar ao trabalhismo (social-democracia) de sempre.

Foi a Terceira Via, caminho supostamente intermediário entre o liberalismo puro e duro de Thatcher e o intervencionismo tradicional da social-democracia. Posto de outra forma: o legado de Thatcher era tão pesado que o trabalhismo teve que caminhar para a direita para conseguir voltar a Downing Street.

Só agora, com o brexit, o orgulho britânico se vê realmente abalado, até no epicentro do liberalismo thatcherista, a City londrina. Seus barões hesitam entre ficar no Reino Unido ou atravessar o Canal da Mancha. Nada menos thatcherista.


 

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