Descrição de chapéu
África

Emanoel Araújo baseou o minimalismo da sua arte abstrata na África

Marcada pela geometria, obra do artista se firmou no país sem perder o lastro no visual da diáspora afro-atlântica

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Julia Lima

Emanoel Araújo, baiano de Santo Amaro da Purificação, manteve seu ateliê no bairro paulistano do Bexiga em plena atividade até pouco antes de morrer, nesta quarta-feira.

No reduto da cidade conhecido pela presença italiana, mas originalmente lugar dos primeiros quilombos da região, seu estúdio ocupa um complexo de duas casas antigas, onde ele mantinha a oficina de marcenaria, parte de seu acervo, sua biblioteca, além de centenas de itens de sua coleção, entre obras e documentos.

Emanoel Araújo, no Museu Afro Brasil - Isadora Brant/Folhapress

Aos 81, ele ainda frequentava a oficina, rabiscando esboços de novos trabalhos e orientando os assistentes sobre os volumes e cores das peças. Quando não estava no ateliê, estava no Museu Afro Brasil, instituição que fundou e dirigiu energicamente até morrer, tendo formado parte do acervo a partir de sua coleção pessoal.

Araújo nasceu numa grande família de ourives, o primeiro de 13 filhos. Contava que, por ser uma criança muito endiabrada, seu pai se encarregou de o levar para aprender com o mestre Eufrásio Vargas, um talhador e marceneiro de grande habilidade. Ali, Araújo começou a tornear madeira e esculpir volumes.

Depois, ele passou a trabalhar na Imprensa Oficial da cidade, o que despertou nele o interesse pela gravura. Aprendeu composição, linotipia, aperfeiçoou as técnicas de entalhe e relevo, forjando o alicerce de sua obra futura.

Araújo se mudou para Salvador no começo da década de 1960, cidade de longa e fértil tradição de gravadores. Ele ingressou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, onde conheceu Henrique Oswald, professor que identificou de pronto o talento do novo aluno.

Ser artista era premente para Araújo. Entre suas produções gráficas mais importantes estavam ilustrações feitas para as cartilhas de Paulo Freire, além de cartazes criados para celebrar os 25 anos do Partido Comunista, que renderam a ele visitas de militares durante a época da ditadura.

Ainda na década de 1960, o artista começou a explorar a abstração, criando relevos de concreto e madeira de ângulos retos e agudos em contraste com formas mais orgânicas e gestuais. A partir de 1971, a linguagem geométrica e abstrata se instalou permanentemente, primeiro na gravura e depois na escultura.

Obra do artista Emanoel Araújo - Divulgação

Em 1977, Araújo foi convidado a participar do Festac, a segunda edição de um festival multicultural realizado em Lagos, na Nigéria, com a participação de artistas africanos e da diáspora afro-atlântica. O evento foi importante para seu posicionamento como um artista preto vindo do estado mais preto do país que recebeu o maior número de pessoas escravizadas no mundo.

Mais do que isso, aquele foi o primeiro contato direto que teve com o continente africano, uma experiência profundamente transformadora.

Araújo, filho de Ogum, organizou uma excursão para a cidade de Oxobô, viagem fundamental para que ele percebesse que a raiz abstrata de seu trabalho não era europeia, mas sim fruto de uma herança arraigada na cultura e na produção visual africanas.

O artista contava que certas obras que vira no Festac se aproximavam muito de seus relevos, com a exceção de incorporarem objetos religiosos e simbólicos. Essa combinação singular apareceria anos depois em uma nova série chamada "Orixás".

A década de 1980 foi um período muito prolífico para Araújo, com uma mostra individual no Masp, a direção do Museu de Arte da Bahia por dois anos, e o cargo de professor convidado da City University de Nova York, em 1988.

Foi naquele momento que ele conheceu Melvin Edwards, amigo que depois viria a expor no Brasil, e George Nelson Preston, artista e pesquisador de Gana radicado nos Estados Unidos que escreveu extensamente sobre Araújo, cunhando o termo "afrominimalista" para se referir à sua obra.

A vocação de artista se sobrepôs à carreira acadêmica, mas Araújo soube muito bem dar espaço para a aptidão à gestão. Além do Museu de Arte da Bahia, foi diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo por uma década, transformando a instituição. Nos bastidores, é sabido que houve grande resistência do governo paulista ao seu apontamento, tanto pelo racismo institucional, quanto por sua origem nordestina.

A reforma do prédio da Pinacoteca, na época em condições muito precárias, foi conduzida e capitaneada por ele, com o notável projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. A programação do museu também foi reformulada, e Araújo foi responsável por trazer ao Brasil uma das primeiras mostras blockbuster do país, a exposição de esculturas do artista francês Auguste Rodin.

Em paralelo ao trabalho de gestão, suas esculturas cresciam em tamanho e complexidade. No início dos anos 2000, o artista deu origem à série dos "Orixás", obras que representam seres divinos, cada um associado a elementos distintos da natureza, como os rios, as matas, o fogo e a terra.

Mas isso pouco se compara à sua obra-prima, o Museu Afro Brasil. O projeto foi resultado de décadas de pesquisa dele acerca da produção visual e cultural de artistas e artesãos afro-diaspóricos e africanos.
São milhares de peças, organizadas não de maneira cronológica, mas a partir de núcleos elaborados por Araújo para apresentar toda a imensurável colaboração negra no Brasil e no mundo.

É, sem sombra de dúvidas, o museu mais interessante de São Paulo, com suas pinturas, estandartes, esculturas e centenas de documentos, livros, fotografias, máscaras e tapeçarias, em uma profusão de cores, formas, desenhos e texturas que enchem os olhos e mobilizam o coração.

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