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Filme 'Fim de Semana no Paraíso Selvagem' ecoa o horror de 'Aquarius'

Longa pernambucano na Mostra de SP cria clima estranho para tratar de mortes misteriosas e da voraz especulação imobiliária

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Fim de Semana no Paraíso Selvagem

  • Quando Em cartaz na Mostra de SP: Instituto Moreira Salles, qua. (26), 15h50; Spcine Vila Atlântica, Perus e Meninos, qui. (27), às 19h
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Ana Flavia Cavalcanti, Joana Medeiros e Edilson Silva
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Severino

Logo de início, "Fim de Semana no Paraíso Selvagem" ilustra o jogo de símbolos que perpassam suas imagens e seu enredo. Nas primeiras cenas, à esquerda da tela, um fogo mais fantasmagórico que real consome um objeto não identificado; à direita, uma grande indústria, não menos amedrontadora em sua arquitetura brutal, lança fumaças ao céu. É noite, e a trilha sonora reforça o estranhamento que toma o espectador.

Entre o fogo e a fábrica, o mar imenso e escuro, também misterioso, que se tornará quase o fio condutor da trama. Mas na cena seguinte já é dia, estamos numa bela praia do que saberemos depois ser o litoral pernambucano, com águas claras que refletem o sol.

Cena do filme 'Fim de Semana no Paraíso Selvagem'
Cena do filme 'Fim de Semana no Paraíso Selvagem' - Divulgação

Tudo ali parece límpido. Menos o comportamento humano. Um homem com expressão soturna se despe e entra no mar para nunca mais ser visto. O filme vai assim, adicionando camadas, aprofundando seus mistérios, sem muitas explicações e diálogos, como que tragando o espectador para suas águas profundas.

Aparece então Rejane, a protagonista da história, que chega à praia dirigindo seu carro por uma longa e sinuosa estrada, emparedada por dois caminhões. Ela tenta entender o que ocorreu com o irmão, o homem que vimos se lançar ao mar, um mergulhador encontrado morto no que foi classificado oficialmente como afogamento. Já sentimos, contudo, que nada ali é muito claro.

Segundo longa do pernambucano Pedro Severien, que agora assina a obra apenas como Severino, "Fim de Semana no Paraíso Selvagem" faz lembrar os filmes de Kleber Mendonça Filho, principal nome do cinema no estado, na maneira como mescla gêneros cinematográficos e observação social.

Como em "O Som ao Redor", de 2012, "Aquarius", de 2016, e "Bacurau", de 2019, aqui também o suspense, às vezes nas raias do horror, brota do cotidiano banal, do choque da junção da música expressiva com cenas corriqueiras, da brutalidade velada das relações, das casas e prédios que expressam as dicotomias sociais. Trata-se de um horror mais sugerido do que concreto, nunca de todo compreendido, que vai enredando o público.

Também como nos longas de Mendonça Filho, a selvagem especulação imobiliária parece ser a semente oculta de todo o mal. Um empreendimento comercial tocado pelos poderosos da praia vem expulsando pescadores dali, no intuito de construir um complexo de belas casas para outros ricos.

Intuímos que tudo, de uma forma ou outra, parece estar ligado a isso: a morte misteriosa de Rodrigo, um outro cadáver que surge do mar, um cão treinado para atacar trabalhadores.

Anos atrás, por sinal, a mãe de Rejane e Rodrigo foi vítima de um assassinato nunca esclarecido, também ligado a questões de terra e moradia de populações mais pobres. Um longo processo de exclusão que desemboca no projeto residencial Novo Paraíso, em vias de se consumar quando Rejane chega ali.

À parte a beleza deslumbrante do local, ela logo constatará que o paraíso passa longe do lugar. Como diz um dos personagens, são todos ali peixes pequenos cercados por tubarões. As formas mais humanizadas de convívio são quase clandestinas, como o amor de Rodrigo por um colega de trabalho, a relação conturbada de Rejane com o filho ou os jovens que protestam e celebram a vida em versos no alto de um morro.

Vigora a lei do silêncio, e o passado, assim como a luta da mãe dos protagonistas, parece submerso há décadas. Mas o mar que esconde também é o que revela, mostra o filme, e os sucessivos mergulhos de Rejane, tão desolada quanto o irmão na brevíssima cena que dele vemos, não deixam de ser uma busca de ver os outros e a si mesma. Só a partir daí poderá organizar alguma forma de resistência, em que o filme, retomando o diálogo com Mendonça Filho, passa do horror para algo mais próximo do faroeste.

Tudo isso é transmitido em alguns momentos fortes e de clima sugestivo, mas o filme nem sempre consegue harmonizar de forma satisfatória todas as possibilidades que abriu ao longo de suas quase duas horas de duração, o que frusta o seu final. Um pouco mais de clareza ou desenvolvimento em alguns trechos poderia reforçar seu efeito sem comprometer a ambiguidade almejada.

De toda forma, o filme deixa ver um diretor de talento, com boa mão para criar atmosferas, e o prosseguimento da forte escola pernambucana.

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