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'Halloween Ends' falha com trama de bússola moral equivocada

Capítulo final da trilogia de terror se apoia na tese capenga de que o mal é uma consequência direta de uma série de injustiças

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Halloween Ends

  • Classificação 18 anos
  • Elenco Jamie Lee Curtis, Kyle Richards e Andi Matichak
  • Produção EUA, 2022
  • Direção David Gordon Green

"Morte Morte Morte", terror da produtora A24 que foi lançado na semana passada, e "Halloween Ends", capítulo final da trilogia iniciada pela Blumhouse há quatro anos, têm ao menos duas características em comum. Ambos mencionam pão de abobrinha e abordam os perigos da cultura do cancelamento.

Como o significado por trás do pão de abobrinha pode ser impenetrável, vamos nos ater ao cancelamento. Em "Morte Morte Morte", uma sucessão de prejulgamentos cômicos, típicos da geração Z, tem consequências fatais. "Halloween Ends" parte da mesma premissa, mas sem o tom satírico e bem-humorado.

Jamie Lee Curtis em cena do filme 'Halloween Ends'
Jamie Lee Curtis em cena do filme 'Halloween Ends' - Ryan Green/Universal Pictures/Divulgação

O diretor David Gordon Green já havia ensaiado um comentário do tipo em "Halloween Kills", quando uma turba enfurecida persegue e mata um homem inocente, achando que se tratava do bicho-papão Michael Myers. Os roteiristas devem ter se inspirado na Derry de Stephen King e quiseram mostrar como a maldade de Myers contamina a pequena Haddonfield.

King, no entanto, não foi influenciado pelas redes sociais quando criou a cidadezinha de "It - A Coisa" nem insinuou que o palhaço Pennywise só se transformou numa entidade maligna porque as crianças do Clube dos Perdedores foram malvadas com ele. Em "Halloween Ends", o mal é consequência direta de uma série de injustiças.

Tudo começa quando o jovem Corey, vivido por Rohan Campbell, é contratado como babá na noite de Halloween. O garoto de quem ele cuida é um pestinha desagradável que tenta pregar uma peça e, por acidente, acaba morto. Apesar de ter sido inocentado, todos tratam Corey como se ele tivesse matado o menino, mesmo anos depois da tragédia.

Por falar em tragédia, após o chocante assassinato da filha em "Halloween Kills", Laurie deixou de ser uma sobrevivente reclusa com estresse pós-traumático e dúzias de trancas na porta para se tornar uma vovó que tricota, prepara tortas, escreve sua autobiografia e tenta arranjar um namoradinho para a neta. A terapia parece ter sido um sucesso absoluto.

Machucado por uma turma de adolescentes valentões, Corey acaba conhecendo Laurie e sua neta Allyson, interpretadas mais uma vez por Jamie Lee Curtis e Andi Matichak. Corey e Allyson sentem uma conexão instantânea e, em questão de horas, já estão tendo uma discussão de relacionamento no meio da rua, como se namorassem há anos.

Corey é confrontado pelos valentões de novo e arremessado de um viaduto. Inconsciente, seu corpo é arrastado por um cano de esgoto, onde Myers tem se escondido, em mais uma das várias semelhanças com "It - A Coisa". Na escuridão, a perversidade do mascarado é transmitida ao rapaz, que dá início à matança em resposta ao tratamento que tem recebido dos outros.

O filme todo é imbuído do argumento de que alguém só age com violência porque foi levado a isso. Há uma cena esdrúxula de uma mulher que confronta Laurie no estacionamento de um mercado porque ela teria "provocado um homem com problemas mentais", como se a sanguinolência de Myers fosse responsabilidade de seu maior alvo.

Mais tarde, o filme apela até para uma citação de Nietzsche –"aquele que combate monstros deve tomar cuidado para que ele mesmo não se torne um"–, mas não há espaço para ambiguidade moral em "Halloween". Não estamos falando de "Game of Thrones" ou de "Watchmen", em que heróis e vilões trocam de papéis a cada instante.

É ridículo culpar a vítima por um assassino implacável que, desde o filme original, é descrito como o mal encarnado. Não é o cancelamento ou o ostracismo que tornam as pessoas más, assim como não são os xingamentos da esquerda que obrigam os centristas a votarem num genocida odioso. O mal só germina onde o solo é propício.

O embate final entre Laurie e Michael é ignorado até o último momento para desenvolver esse tema estapafúrdio, que nada tem a ver com a franquia. A verdade é que o "Halloween" de 2018 não precisava de sequências, mas os olhos dos produtores se transformaram em cifrões e os roteiristas tiveram de encher linguiça. Vá ver "Morte Morte Morte". É mais divertido.

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