Camila Sosa Villada, na Flip, critica ativistas e diz que literatura não resolve nada

'Quantos escritores se suicidaram?', questionou a escritora trans em sua participação na Casa Folha da festa literária

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Paraty (RJ)

Chamada pelo mediador, o escritor Tiago Ferro, de uma das romancistas mais importantes da América do Sul, Camila Sosa Villada dedicou sua participação na Casa Folha, na Flip, a dizer que "a literatura não resolve nada".

"A escrita não pode exorcizar a violência, ela fica inscrita nos corpos. Escrever pode ser no máximo um placebo, uma homeopatia", afirmou na manhã desta sexta a escritora trans que, antes de ser reconhecida por sua arte nos livros e nos palcos, trabalhou como prostituta.

Camila Sosa Villada
A escritora argentina Camila Sosa Villada, autora de 'O Parque das Irmãs Magníficas' - Divulgação

"É um espírito utilitário querer que tudo sirva para algo, inclusive o que não serve para nada, como a literatura. É uma promessa perigosa dizer que ela vai sanar seus traumas. Quantos escritores se suicidaram?"

Villada, autora do romance "O Parque das Irmãs Magníficas" e dos contos de "Sou uma Tola por te Querer", publicados no Brasil pela Tusquets, diferenciou a escrita que se faz na solidão daquela que é publicada.

"Parece que a escrita real é a que não sabemos que destino terá. Há hoje nas editoras pessoas que dizem ‘falta uma pessoa negra no seu livro, falta uma mulher pobre’. Mas entendo que esse é meu trabalho, não vou me retirar porque não quero voltar a ser pobre."

Villada criticou ativistas de seu país que se reduzem a um "monólogo que não dialoga com nada" e estabelecem um discurso pronto que não combina com a liberdade de sua literatura.

"Eu conheço todas as travestis ativistas da Argentina, sei como muitas escalam sobre os corpos de outras que estão em situações piores. E me dizem ‘você tem que falar desse jeito, só pode dizer isso’, estou aprendendo só agora a me defender disso."

Esses círculos ativistas, segundo ela, ventilam uma defesa de que se fale mais e mais das experiências das travestis, com o argumento de que isso serve como denúncia e registro de suas vivências. Villada bate de frente com isso —apesar de seus livros sempre trazerem como protagonistas mulheres com biografias parecidas com a dela.

"Se dizem que eu só posso falar de mim, me tiram o direito de fazer ficção. Mesmo dentro dos ativismos, cansei de ouvir travestis dizer que temos que escrever o nosso testemunho, e eu dizia, não, temos que escrever o que quisermos."

Também sobraram críticas aos literatos argentinos que, recentemente, passaram a circular o arquivo digital de seu romance entre novos leitores, em nome de uma suposta democratização do acesso à obra.

"A cultura já está restrita a um pequeno grupo, e essas pessoas acham o livro forte, me elogiam —e me roubam circulando o pdf. Justo eu, uma travesti que acabou de sair da pobreza."

A argentina soltou uma máxima, a determinada altura do encontro, que serve como um bom resumo de sua participação. "Disseram uma vez que eu era uma loba disfarçada de cordeiro, e eu respondi, mas eu não me disfarço de cordeiro."

A programação da Casa Folha continua até domingo com participantes como Lázaro Ramos, Itamar Vieira Junior e Annie Ernaux, mais recente Nobel de Literatura.

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