Morto nesta terça-feira, aos 81 anos, Erasmo Carlos discutiu seu estado de saúde, a vida durante a pandemia de Covid-19 e seu legado na música brasileira numa entrevista a este jornal no ano passado.
À época, o cantor passava por ressonâncias e se recuperava de um câncer no fígado. "Fui mudando minha vida, hoje eu sou bem diferente do que era. Eu não bebo, não fumo. Acho que é por isso que estou tão lúcido."
Isolado, Erasmo disse que passava a maior parte do tempo dentro de casa, com a mulher, cumprindo as regras de distanciamento social.
Durante a quarentena forçada pela Covid, ele adquiriu o gosto por criar playlists, com mais de 700 músicas reunidas, além de se aventurar na cozinha e, na TV, assistir a seriados, jogos de futebol e jornais. Sua maior saudade eram os estúdios e as estradas.
"Eu adoro compor, mas estou doido para ir ao estúdio. Discutir com os músicos, fazer arranjos, se não gostar fazer de novo. E ali já fico pensando na estrada", disse. "Na estrada é maravilhoso. A convivência com a banda, conhecer outros lugares, outras pessoas. Tem a churrascaria na beira da estrada, queijo coalho, caldo de cana, pastel, essas maravilhas."
Ele ainda relembrou sua carreira, dizendo que tinha feito dois discos de que não gostava, apesar de não lembrar os nomes, e citou dois que considerava fundamentais para sua trajetória.
"Todo mundo gosta do ‘Carlos, Erasmo’, de 1971. Eu já gosto mais do ‘Erasmo Carlos e Os Tremendões’, meu disco do ano anterior. Minhas necessidades interiores de mudança estavam claras ali, quando gravei ‘Saudosismo’, do Caetano, ‘Teletema’, do Antonio Adolfo. Gravei também ‘Sentado à Beira do Caminho’ e ‘Coqueiro Verde’ nesse disco. Outro que adoro é ‘Erasmo Carlos Convida’, que eu considero o disco no qual eu fui para a faculdade. Depois do bê-a-bá da Jovem Guarda, só então fui para a faculdade."
"Escuto as pessoas dizendo o que as minhas músicas representam para elas, como foram importantes. Sem exagero, já salvei pessoas em momentos críticos, coisas assim. A internet ajuda muito os contatos, então tenho consciência desse legado."
O músico, que completava 80 anos, disse que eram seus erros e acertos que moldaram sua trajetória. "Eu amo o homem que eu sou hoje, bicho. Tenho boa fé, sem inveja das pessoas, tenho um amor grande para distribuir às pessoas, tenho minha profissão honesta, digna. E fico bestificado com quem não é assim, essa gente corrupta que governa. Não admito alguém usar uma pandemia em proveito próprio."
Encerrando a conversa, ele misturou tristeza e esperança. "Tinha tudo para ser superfeliz, mas por dentro não sou totalmente feliz por causa dessa corja. Estou decepcionado com egoísmo, preconceito, intolerância. Mas eu continuo acreditando no ser humano, acredito na utopia, nos meus sonhos. A utopia é impossível, mas é sonhável."
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