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'Paloma' vê ambiguidade de mulher trans que quer casar na tradição católica

Filme dirigido por Marcelo Gomes despe protagonista de vitimismo e heroísmo diante de seguidos atos de intolerância

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Paloma

  • Onde Em cartaz
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Kika Sena, Ridson Reis, Zé Maria
  • Produção Brasil
  • Direção Marcelo Gomes

O novo "Paloma", de Marcelo Gomes, começa com uma cena de sexo, como acontece em "Era uma Vez Eu, Verônica", filme do diretor pernambucano lançado há dez anos.

"Era uma Vez" mostra uma orgia na praia, com Verônica e seus amigos. Em "Paloma", uma mulher trans está na cama com o namorado. Em ambos, há deleite, potência, alívio, transpiração. A câmera, jamais vulgar, parece menos um voyeur a observar a volúpia —é como estivesse prestes a entrar nas brincadeiras eróticas, a centímetros de peles e fios de cabelo.

Kika Sena e Ridson Reis em cena do filme "Paloma", de Marcelo Gomes
Kika Sena e Ridson Reis em cena do filme "Paloma", de Marcelo Gomes - Divulgação

As produções se assemelham nestes instantes iniciais, demonstrando a sensibilidade do diretor para filmar o sexo. No mais, há poucos pontos em comum entre eles. Verônica (Hermila Guedes) é uma médica recém-formada do Recife, repleta de dúvidas sobre a vida pessoal e a profissão. Paloma (Kika Sena), por outro lado, sabe bem o que quer: pretende se casar de vestido branco, com grinalda, tudo como manda a tradição.

Será difícil porque a cerimônia tem um custo razoável, e Paloma ganha pouco na colheita de mamões no sertão. O salário do seu namorado, o pedreiro Zé (Ridson Reis), também é baixo.

Será especialmente difícil porque a Igreja Católica não admite casar uma mulher trans. Paloma moldou sua história e seu corpo à margem das convenções —"nasci homem, mas sou mulher", ela diz—, mas quer sacramentar seu amor por Zé num casamento de contos de fada. Por que não?

Quase todos ao seu redor veem ali um impasse. Para Paloma, porém, tudo soa, ou deveria soar, mais simples. O casamento é um desdobramento natural, afinal ela é uma mulher católica e ama o homem com quem pretende subir ao altar.

A personagem escapa de armadilhas frequentes em dramas como esse, graças à direção firme e ao roteiro de Gomes, Armando Praça e Gustavo Campos, desenvolvido a partir de uma notícia de jornal. Paloma enfrenta diferentes formas de intolerância, mas não é tratada com vitimismo ao longo da trama. Tampouco é vista como uma heroína ou uma figura angelical.

Assim, o cinema de Gomes nos entrega mais uma protagonista com ambiguidades desconcertantes, o que já havia feito em filmes como "Cinema, Aspirinas e Urubus", de 2005 e "Joaquim", de 2017.

Mas não haveria tamanha força dramática sem uma grande atriz. O Festival do Rio deste ano reconheceu o talento de Kika Sena, dando a ela o prêmio nessa categoria –no mesmo evento, "Paloma" foi considerado o melhor longa da seção competitiva da Première Brasil.

Também chama a atenção a direção de fotografia de Pierre de Kerchove, que tira proveito da luz natural para registrar as oscilações dos personagens.

Em um depoimento para este jornal na ocasião da morte do cineasta Eduardo Coutinho, Marcelo Gomes lembrou uma frase do documentarista. "Marcelo, o cinema não salva ninguém". Filmes não têm esse poder, mas podem nos ajudar a compreender o outro e a nós mesmos, como faz "Paloma".

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