Descrição de chapéu
Filmes mostra de cinema

'O Tesouro do Pequeno Nicolau' não sabe se é para ou sobre crianças

Inspirado em quadrinho infantil franco-belga dos anos 1950, filme é repleto de inconsistências e calcado em convenções

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O primeiro ponto a favor de "O Tesouro do Pequeno Nicolau" é ter seu personagem principal criado por René Goscinny, o mesmo inventor de Asterix, sua obra-prima, e Lucky Luke. O segundo é ser um filme para crianças em que os personagens são gente —e não animações. O terceiro, é trazer um conjunto de bons atores mirins, bem dirigidos, para interpretar o grupo de amigos inseparáveis do jovem Nicolau.

Aí começam os inconvenientes. Goscinny, que teve tanta sorte com os ilustradores de suas histórias —Jean-Jacques Sempé, no caso do "Pequeno Nicolau"—, costuma dar azar nas adaptações cinematográficas. E isso é o que se começa a sentir logo depois da apresentação —bem imaginada, ainda que mal dirigida— da turma de Nicolau.

Cena do filme 'O Tesouro do Pequeno Nicolau', dirigido por Julien Rappeneau
Cena do filme 'O Tesouro do Pequeno Nicolau', dirigido por Julien Rappeneau - Rémy Grandroques/Divulgação

Mas, espera um pouco, seria Nicolau um filme para crianças? Ou sobre o comportamento das crianças —a descoberta tateando do mundo, seus enganos e achados? Na verdade, a trama sugere as duas coisas. Ela é sobre crianças, mas também para crianças. Parece que Julien Rappeneau, diretor e roteirista, não chegou a uma conclusão sobre isso.

Daí a imagem sugerir um filme para crianças, enquanto o enredo é capaz de fazer adultos repensar a própria infância. Ou seria capaz. Pois Rappeneau aborda a trama de maneira bem hesitante.

Ela diz respeito ao pai de Nicolas, funcionário de uma empresa parisiense que, de repente, se vê promovido a diretor de uma outra empresa, só que ela fica no interior. O pai gosta da ideia; Nicolas, nem um pouco, pois teria de deixar sua turma de amigos, o que lhe soa como catástrofe.

Do lado doméstico, a mãe também vê a mudança como catástrofe, porque imagina (ou percebe) que todo o trabalho vai cair nas suas costas. Mas, verdade seja dita, todo o tempo ela reclama de quase tudo —pode-se falar de reclamações bem mais do que reivindicações, tanto mais que o filme regride a uma era pré-feminista. Seriam tão maiores os inconvenientes de uma mudança? O certo é que se torna difícil vê-la como mulher sobrecarregada. Ela é, sobretudo, um tanto chata. Nisso, faz boa companhia à platitude do marido.

Na escola, as coisas não vão muito melhor: o vigilante atrapalhado, o diretor simpático, mas tanto ridículo, a oposição entre a professora boazinha e a disciplinadora —tudo cheira a convenção.

Nicolau decide boicotar a transferência do pai. Alguns de seus estratagemas são até interessantes, porém mal desenvolvidos pelo filme. Onde deveria haver elipse, não há, e vice-versa, por aí vai.

Tudo caminha para a catástrofe modorrenta, quando, lá pelo meio do filme, Nicolau fantasia a hipótese de achar um tesouro, com o que encheria o pai de dinheiro e evitaria a mudança para o interior.

Ao mesmo tempo, Mouchebourne, vivido por Pierre Arditi, o patrão do pai, revela-se um personagem bem interessante. Habitualmente bonachão e simpático, esse homem se transforma quando joga tênis trata uma derrota como uma questão de vida ou morte.

Esses aspectos —a caça ao tesouro e suas decorrências, Mouchebourne— animam o filme, sugerem uma aventura, mas ela foge à norma dos filmes de crianças sabidas. Ao longo do trajeto, toda série de inconsistências se mostra —é o que torna a parte final do filme bem mais aceitável.

Caso se fixasse mais no que acontece do meio para o fim do filme e reduzisse violentamente a parte inicial, talvez o resultado final fosse mais divertido —para crianças e para seus pais.

O Tesouro do Pequeno Nicolau

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação Livre
  • Elenco Audrey Lamy, Pierre Arditi, Ilan Debrabant, Jean-Paul Rouve
  • Direção Julien Rappeneau
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.