O primeiro ponto a favor de "O Tesouro do Pequeno Nicolau" é ter seu personagem principal criado por René Goscinny, o mesmo inventor de Asterix, sua obra-prima, e Lucky Luke. O segundo é ser um filme para crianças em que os personagens são gente —e não animações. O terceiro, é trazer um conjunto de bons atores mirins, bem dirigidos, para interpretar o grupo de amigos inseparáveis do jovem Nicolau.
Aí começam os inconvenientes. Goscinny, que teve tanta sorte com os ilustradores de suas histórias —Jean-Jacques Sempé, no caso do "Pequeno Nicolau"—, costuma dar azar nas adaptações cinematográficas. E isso é o que se começa a sentir logo depois da apresentação —bem imaginada, ainda que mal dirigida— da turma de Nicolau.
Mas, espera um pouco, seria Nicolau um filme para crianças? Ou sobre o comportamento das crianças —a descoberta tateando do mundo, seus enganos e achados? Na verdade, a trama sugere as duas coisas. Ela é sobre crianças, mas também para crianças. Parece que Julien Rappeneau, diretor e roteirista, não chegou a uma conclusão sobre isso.
Daí a imagem sugerir um filme para crianças, enquanto o enredo é capaz de fazer adultos repensar a própria infância. Ou seria capaz. Pois Rappeneau aborda a trama de maneira bem hesitante.
Ela diz respeito ao pai de Nicolas, funcionário de uma empresa parisiense que, de repente, se vê promovido a diretor de uma outra empresa, só que ela fica no interior. O pai gosta da ideia; Nicolas, nem um pouco, pois teria de deixar sua turma de amigos, o que lhe soa como catástrofe.
Do lado doméstico, a mãe também vê a mudança como catástrofe, porque imagina (ou percebe) que todo o trabalho vai cair nas suas costas. Mas, verdade seja dita, todo o tempo ela reclama de quase tudo —pode-se falar de reclamações bem mais do que reivindicações, tanto mais que o filme regride a uma era pré-feminista. Seriam tão maiores os inconvenientes de uma mudança? O certo é que se torna difícil vê-la como mulher sobrecarregada. Ela é, sobretudo, um tanto chata. Nisso, faz boa companhia à platitude do marido.
Na escola, as coisas não vão muito melhor: o vigilante atrapalhado, o diretor simpático, mas tanto ridículo, a oposição entre a professora boazinha e a disciplinadora —tudo cheira a convenção.
Nicolau decide boicotar a transferência do pai. Alguns de seus estratagemas são até interessantes, porém mal desenvolvidos pelo filme. Onde deveria haver elipse, não há, e vice-versa, por aí vai.
Tudo caminha para a catástrofe modorrenta, quando, lá pelo meio do filme, Nicolau fantasia a hipótese de achar um tesouro, com o que encheria o pai de dinheiro e evitaria a mudança para o interior.
Ao mesmo tempo, Mouchebourne, vivido por Pierre Arditi, o patrão do pai, revela-se um personagem bem interessante. Habitualmente bonachão e simpático, esse homem se transforma quando joga tênis trata uma derrota como uma questão de vida ou morte.
Esses aspectos —a caça ao tesouro e suas decorrências, Mouchebourne— animam o filme, sugerem uma aventura, mas ela foge à norma dos filmes de crianças sabidas. Ao longo do trajeto, toda série de inconsistências se mostra —é o que torna a parte final do filme bem mais aceitável.
Caso se fixasse mais no que acontece do meio para o fim do filme e reduzisse violentamente a parte inicial, talvez o resultado final fosse mais divertido —para crianças e para seus pais.
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