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'Orfeu e o Poder', livro essencial de Michael Hanchard, será reeditado

Obra-chave sobre as relações raciais no país e a história do movimento negro brasileiro retornará após 20 anos

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São Paulo

(Esta é minha última resenha neste jornal. Fui tirada daqui por diferença ideológica. E para galhofa e satisfação de todo tipo de gente covarde que pediu minha cabeça: do capitalista bruto ao banqueiro deslumbrado, do comerciante pseudointelectual ao leitor racista e aos fascistas diversos, de subterrâneo e de superfície. Dia desses revelo o nome deles todos. Ouço latidos de mentiras e cinismo por todo canto. A caravana sou eu, mas que não passo simplesmente: avanço. Não me vendo. Não me calo.)

Depois de 20 anos, vai ser relançado no Brasil um livro-chave sobre as relações raciais no país e a história do movimento negro brasileiro. Publicado nos Estados Unidos em 1994, "Orfeu e o Poder: O Movimento Negro no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1988)" é resultado da pesquisa de doutorado, pela universidade de Princeton, do acadêmico e cientista político negro americano Michael George Hanchard, hoje professor de estudos africanos e diretor do Projeto Populações Marginalizadas da Universidade da Pensilvânia.

O acadêmica e cientista político Michael Hanchard
O acadêmica e cientista político Michael Hanchard - Divulgação

A nova edição brasileira —a primeira é de 2001, da Eduerj, Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro— surge de uma parceria entre a Unicamp, a Universidade de Campinas, e a Eduerj.
Entre 1988 e 1989, Hanchard —que fala português muito bem e é um apaixonado pelo Brasil— veio realizar dezenas de entrevistas com intelectuais e ativistas da causa negra no Rio de Janeiro e em São Paulo, com o objetivo de analisar o papel do movimento negro na política brasileira.

Embora não seja um estudo comparativo entre a realidade racial brasileira e a americana, o texto questiona a falta de continuidade e intensidade de um movimento por direitos civis e inserção política dos negros no Brasil depois da Segunda Guerra Mundial.

Por meio das entrevistas, Hanchard não apenas vai construindo uma história da atuação do movimento negro como uma análise muito consistente sobre a ideologia da "democracia racial" brasileira, que, segundo ele, desestimulou qualquer estratégia para uma consciência étnica ou racial politizada, transformando a maioria dos marcadores afro-brasileiros da nossa cultura em símbolos nacionais genéricos. E aqui ele menciona o candomblé e o Carnaval.

Ao traçar uma ampla trajetória do ativismo étnico nas terras daqui, o livro de Hanchard sistematiza o tema e dá voz a organizações e instituições importantes como o Movimento Negro Unificado da década de 1970 e a Pastoral do Negro de São Paulo e do Rio de Janeiro. Evoca nomes de militantes históricos como o do padre negro Laurindo Benedito Batista de Jesus, já falecido, e do ainda atuante Frei David.

O texto registra também depoimentos preciosos, como o de Joel Rufino dos Santos (1941-2015), contando a Hanchard sobre como foi preso e torturado pela ditadura, mas poupado da morte por um agente militar negro que alegou solidariedade racial para livrar o historiador de seus algozes.

O trabalho de Michael Hanchard, ainda que ignorado por editoras brasileiras por tanto tempo, é de contribuição fundamental ao debate da questão racial no Brasil.

Como diz Paulo Cesar Ramos, estudioso do autor, "o livro do professor Hanchard foi um marco sobre o movimento negro brasileiro, já em sua edição em inglês. A recepção do livro no Brasil foi bastante polêmica, pois mobilizou opiniões tanto de acadêmicos quanto de ativistas. Desde então, o livro não saiu das bibliografias dos programas de disciplinas sobre relações raciais no Brasil, seja pela força empírica ancorada em ampla pesquisa, seja pela sua força teórica que articula em profundidade as teorias políticas sobre o racismo e as interpretações dos militantes negros brasileiros".

Sobre o Brasil, Hanchard organizou também a coletânea de ensaios "Racial Politics in Contemporary Brazil", ou políticas raciais no Brasil contemporâneo, publicado nos Estados Unidos em 1999, com colaborações de intelectuais e ativistas estrangeiros e brasileiros como Benedita da Silva, Thereza Santos, Ivanir dos Santos e Nelson do Valle Silva.

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