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Alan Moore nos contos de 'Iluminações' satiriza as HQs de super-heróis

Livro exige estômago, mas tem jornada tão compensatória quanto a de clássicos como 'V de Vingança'

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Iluminações

  • Preço R$ 129,90 (552 págs.); R$ 90,90 (ebook)
  • Autor Alan Moore
  • Editora Aleph
  • Tradução Adriano Scandolara

"Iluminações", o novo livro de contos do escritor e roteirista de quadrinhos britânico Alan Moore, de 69 anos , é uma obra gloriosamente esquisita, barroca, desconjuntada ao extremo.

Reunindo textos escritos em períodos bem diferentes da vida do autor, a antologia exige estômago e boa dose de tolerância ao senso de humor sombrio de Moore para ser apreciada. Satisfeitos esses requisitos, a jornada é tão compensatória quanto a proporcionada pelos clássicos da carreira dele, como "Watchmen" e "V de Vingança".

O escritor e roteirista de quadrinhos Alan Moore - Gavin Wallace Hoax via The New York Times

Aliás, é bem provável que ele esbravejasse de frustração ao ler que duas "graphic novels", uma delas sobre super-heróis, estão entre suas principais obras, a julgar pelo conteúdo do volume. A questão é que "Iluminações" faz parte do longo acerto de contas do britânico com a indústria dos quadrinhos.

De fato, é possível dizer que o livro é uma coletânea de contos que engoliu um pequeno romance, já que seu miolo é uma narrativa de 250 páginas, "O que se Pode Saber a Respeito do Homem-Trovão". Ao longo dos capítulos do texto, Moore satiriza impiedosamente o ramo das HQs de super-heróis —tanto os gibis quanto, principalmente, as pessoas que os produzem.

Das origens modestas do gênero nos anos 1930 à sua metástase atual, que o transformou na linguagem dominante do cinema de grande público, nenhum elemento desse universo escapa da fúria narrativa do autor.

Debaixo dos nomes inventados para disfarçar desenhistas, roteiristas, editoras e super-heróis de verdade (o "Homem-Trovão" é o Superman; o "Rei Abelha" é o Batman, e por aí vai), Moore retrata um mundo putrefato.

É, segundo ele, uma máquina de produzir gente escrota e demente, uma engrenagem quase literalmente satânica. (Vai ser difícil esquecer, por exemplo, a cena em que o editor Worsley Porlock nada –literalmente nada, dando braçadas– na montanha de revistas pornográficas que tomou conta do apartamento de um colega que acabou de morrer. E essa nem é a parte mais bizarra do espólio do sujeito.)

A imaginação do britânico transfigura tanto os aspectos mais prosaicos do que vê de errado no mundo dos quadrinhos –a falta de controle dos artistas mais talentosos sobre os personagens que criam ou a tendência a explorar uma fórmula de sucesso até a exaustão– quanto o efeito (para ele, nefasto) das narrativas de super-heróis sobre a cultura e mesmo sobre a formação psíquica de quem os consome.

Dá para discordar do diagnóstico dele, mas é quase impossível não ficar magnetizado –ou horrorizado– diante da história.

Os outros textos da coletânea têm uma abordagem menos "sangue nos olhos" e mais experimental, com resultado nem sempre bem acabado, mas consistentemente instigante. "Lagarto Hipotético", o primeiro conto, é de 1987 e passa a sensação de ter sido escrito por um jovem mestre de RPG particularmente criativo e com tempo de sobra.

Já "Nem Mesmo Lenda", "Leitura a Frio" e "Iluminações", que empresta seu título ao livro, mostram que o talento de Moore para o horror cósmico continua intocado.

E é difícil não oscilar entre a perplexidade e as gargalhadas histéricas ao ler "O Estado Altamente Energético de uma Complexidade Improvável", conto no qual o escritor imagina o que aconteceu nas primeiras frações minúsculas de segundo após o surgimento do universo.

Para quem está curioso, esse cenário primevo aparentemente envolveu a gênese de cérebros capazes de alterar o tecido da realidade com um simples pensamento, os quais, pelo visto, nunca tinham ouvido falar da máxima "com grandes poderes vêm grandes responsabilidades".

 Cena da graphic novel 'V de Vingança', da dupla Alan Moore e David Lloyd, que inspirou filme homônimo dirigido por McTeigue.
Cena da graphic novel 'V de Vingança', da dupla Alan Moore e David Lloyd, que inspirou filme homônimo dirigido por James McTeigue - Divulgação

Apesar do lado ranzinza que transparece nas críticas do autor à indústria dos quadrinhos, são raras as páginas do livro nas quais ele não pareça estar se divertindo à beça. Se comparada às suas narrativas mais econômicas nas HQs, a prosa de Moore como contista é feérica, exuberante, saindo aos borbotões, sempre em busca da metáfora mais esquisita possível. Às vezes enjoa um pouco, mas, no mais das vezes, encanta.

A edição brasileira do livro inclui ainda uma entrevista com Moore feita pelo jornalista Ramon Vitral, na qual ficamos sabendo que, hoje em dia, ele se vira perfeitamente bem sem sinal de TV ou internet em casa. Sujeito de sorte.

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