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Francisco Hurtz

Gays replicam moralismo da direita ao criticar sexo oral no clipe de Anitta

Erotismo da cantora remete a uma Madonna na gaveta do terceiro mundo e não traz nada de inovador, inédito ou pioneiro

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Francisco Hurtz

Artista visual

São Paulo

Bastante curioso ver tantos gays incomodados com a encenação de sexo oral do novo clipe de Anitta, em poucos segundos de spoiler provavelmente vazado por marketing.

Não é a primeira vez que escrevo sobre esse novo moralismo que a esquerda liberal herda do puritanismo vindo dos Estados Unidos, nessa nova ética que invadiu o campo progressista por meio da imposição de regras que validam ou invalidam o comportamento do outro. O famoso lacre da superioridade moral, a polícia da internet, o "militudo" enfadonho e sem sentido cheio de certezas.

Anitta e Yuri Meirelles
Anitta e Yuri Meirelles - Reprodução/Instagram

Esse desprezo, longe da ideia da afirmação política de outros corpos menos visíveis, é uma falsa demonstração de virtude. É mais um debate raso promovido por esse tal novo moralismo, que é falsamente progressista e perigosamente parecido com o pensamento conservador de direita feito sobre nós, gays e mulheres feministas.

Ele põe novamente corpos em escalas de valor por meio de discursos parcamente elaborados dentro de uma nova moral idiotizante.

O discurso se desdobra numa falsa sensação de superioridade moral. O novo puritanismo importado das militâncias americanas cria um livro de regras e condutas sobre o corpo e as escolhas particulares de cada indivíduo e a vida íntima do outro, recaindo por fim sobre a própria produção cultural.

Existe uma porção de regras que devem ser seguidas para evitar algum tipo novo de cancelamento e isso empobrece a produção artística, que agora precisa lidar com a crítica de arte amadora e o politicamente correto das redes sociais.

O feio, o vulgar, o apelativo, o mau gosto, são linguagens válidas e podem ser profundamente expressivas nas mãos certas, ainda mais com o público interessado.

O que Anitta está fazendo não é inédito, inovador ou pioneiro. A cantora traz para o cenário da favela a figura da cantora pop hiper-sexual, o mesmo papel que Madonna encarnou no começo dos anos 1990, no auge da epidemia de HIV e Aids, quando o corpo sexualizado —muito mais entre homens gays— estava demasiadamente ligado à caquexia, à doença e à morte.

Nesse contexto, falar de sexo e afirmar a imagem erótica —ou pornográfica— de um gigante da cultura pop era também falar de vida.

O vazamento do vídeo de Anitta parece bobo perto de algumas das fotografias registradas para o livro "Sex", de Madonna, publicado em 1992. Nas imagens captadas pelo fotógrafo Steven Meisel, Madonna encarna a personagem dominadora Dita Parlo. As fotografias poderiam constranger com facilidade esse tal novo moralista se ele também não estivesse consumindo pornografia com frequência na internet.

Sem constrangimento, Madonna se cerca da nudez de homens e mulheres, além de acessórios de couro, e inventa a cantora pop pós-pornô. Muito inteligente, Anitta traz a Madonna de 1992 para os novos ares libertários do Brasil de 2023.

Anitta quer ser a Madonna do terceiro mundo, a Madonna da periferia, Dita Parlo latina, dominatrix da favela, rainha do beco, a grande cantora pop que veio diretamente do hemisfério sul.

Se a criação do artista contemporâneo é encontrar a linguagem dada, vigente, comum, compreensível e engolir a linguagem, digerir a linguagem e reinventar a linguagem, Anitta pode se tornar a jiboia de Luz del Fuego que ficou famosa por engolir Madonna. Mais que um arremedo de artista pop internacional, Larissa quer ser Anitta.

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