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Moda

Modelos de Viktor & Rolf são meras desculpas para roupas de ponta-cabeça

Dupla holandesa desfila na Semana de Alta-Costura de Paris looks dignos de uma première do novo filme da Barbie

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Todos tentam. Ah, como tentam. Mas tão poucos conseguem. Kylie Jenner, por exemplo, tentou. Não conseguiu. E olha que usou uma cabeça de leão, uma de tigre e uma de urso no seu desfile. E aí vieram Viktor & Rolf e...

A primeira imagem que vi desses desfile, no único Instagram que vale realmente a pena acompanhar quando o assunto é moda, o @diet_prada, foi de uma mulher usando um vestido de cabeça para baixo.

Modelo desfila vestido de cabeça para baixo em apresentação dos estilistas Viktor & Rolf - Stephane de Sakutin -25.jan.23/AFP

Em uma frase, parece uma tolice. É exatamente o que você está pensando: o tomara que caia cobria primeiro o quadril. As coxas estavam à mostra cobertas por finas roupas de baixo de meados do século 20. Na cintura, um lindo laço preto marcava a tão importante linha do corpo. E a saia, engomada, subia pelos ombros e pela cabeça da modelo como se fosse uma erupção de tule —se é que era tule.

Devo esclarecer que não sou exatamente um crítico de moda. Referências e detalhes certamente vão fazer falta neste texto. Mas o que me motivou a escrevê-lo foi a inacreditável originalidade da ideia e a impecabilidade da apresentação do que Viktor & Rolf, uma dupla ultra inovadora de holandeses, mostrou na última quarta (25) no seu desfile de alta-costura em Paris.

Uma grande brincadeira, todos tem direito de pensar. Mas o que estava sendo exibido ali era algo que não se via desde que Rey Kawakubo, da venerada Comme des Garçons, apresentou na sua coleção de "calombos", em 1997. Uma revolução visual e conceitual que desafia inclusive as primeiras coleções do belga Martin Margiela, na primeira metade dos anos 90.

Na verdade, desde que Alexander McQueen fez robôs soltarem tinta no vestido de uma modelo na sua coleção de primavera verão de 1999, eu nunca tinha visto algo tão revolucionário.

Mas os vestidos de Viktor & Rolf vão muito além da superficialidade de um Moschino (isso quando o próprio Moschino ainda desenhava as coleções) ou da pseudo seriedade que John Galliano imprime atualmente à grife Margiela —o próprio Martin, claro, passou o bastão a mais de uma década.

Para ser justo com a grande mestra Kawakubo, eu só havia me entusiasmado tanto assim com uma coleção quando ela tirou todos os blazers masculinos dos eixos, no início da década passada. Viktor & Rolf fizeram algo parecido agora, mas foram ainda além.

Suas modelos apresentaram vestidos de festa dignos de uma première do novo filme da Barbie – Margot Robbie, que estrela um dos filmes mais esperados de 2023, ficaria lindíssima em qualquer um dos looks mais convencionais vistos no desfile. Mas eu queria mesmo ver uma das mulheres mais lindas atualmente em Hollywood usando aquele vestido que vai na frente da mulher que o está usando.

Explico: por uma obra de engenharia e costura, uma das criações mais sensacionais que Viktor & Rolf apresentaram foi um vestido que miraculosamente desfilava pela passarela meio passo antes da modelo que o "vestia". Sim, ela não o vestia: a plateia via apenas uma mulher de corpete. Mas o vestido que caberia perfeitamente no corpo dela, ia adiante, como mágica.

Modelo desfila vestido de Viktor & Rolf em Paris - Stephan de Sakutin - 25.jan.23/AFP

E também como uma fina ironia ao que significa a moda hoje em dia. Usar um vestido desses é realmente se vestir? E se a moda fosse algo que não precisasse de um corpo para existir? Com suas roupas que desafiam a gravidade —muitas delas literalmente atravessavam horizontal ou diagonalmente o corpo delas— as modelos ali eram ainda menos que cabides: meras desculpas para uma roupa existir.

Entre criações possíveis e puros devaneios (se bem que eu adoraria ver alguém usando uma dessas coisas no tapete vermelho do Oscar desse ano —Margot, você está lendo isso?), o que se viu foi um desfile que era uma mistura de cuidado artesanal impecável, criação absolutamente original, reflexão semipretensiosa sobre a própria moda, e uma pitada de humor na medida certa.

No curtíssimo intervalo de atenção que nos é imposto hoje, as feras de Schiaparelli/Jenner talvez deixem um resíduo mais permanente nos fashionistas —ainda que não exatamente de uma maneira positiva.

Mas, lá na frente, quem for estudar os momentos em que a moda desse início do século 21 apresentou algo realmente interessante, para muito além das releituras de Helmut Lang e de um certo glamour anos 20 que se viu nessa temporada, é certamente esse desfile de Viktor & Rolf que vai ser lembrado.

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