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Paul Vecchiali filmou o amor, a loucura e o sexo libertário como poucos

Contemporâneo à nouvelle vague, diretor francês subversivo morto nesta quarta teve obra redescoberta nos anos 2010

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São Paulo

O diretor francês Paul Vecchiali morreu, aos 92 anos, nesta quarta. O cinema se despede assim de um dos últimos representantes do cinema moderno dos anos 1960.

No Brasil, ele se tornou mais conhecido na década passada, quando alguns de seus filmes tiveram exibição no circuito comercial. O público brasileiro pôde finalmente conhecer, ou reencontrar, o cineasta em filmes de maturidade como "Noites Brancas no Píer", de 2014, uma deliciosa releitura de Dostoiévski, o sublime "É o Amor", de 2015, com seus jogos narrativos fascinantes, e "O Ignorante", de 2016.

Marianne Basler em cena do filme 'Rose la Rose, Garota de Programa', de Paul Vecchiali
Marianne Basler em cena do filme 'Rose la Rose, Garota de Programa', de Paul Vecchiali - Divulgação

Seu último longa, "Pas... De Quartier", foi lançado no ano passado na França. O penúltimo, "Un Soupçon d'Amour", em 2020. Antes deles, pudemos ver, em diferentes edições da Mostra Internacional de São Paulo, "Os Sete Desertores", de 2017, que foi recebido com pouco entusiasmo, e o belo "Trem das Vidas ou A Viagem de Angélique", de 2018.

Sua carreira inclui cerca de 60 trabalhos com sua direção, entre curtas, longas, telefilmes, séries e até mesmo um longa inacabado, "Le Petits Drames", de 1961, o que faz dele um contemporâneo da nouvelle vague, não só na idade —Vecchiali é de 1930, mesmo ano que Jean-Luc Godard— como profissionalmente.

Sua obra, contudo, aponta para uma outra etapa do cinema francês e encontra sua melhor forma nos anos 1970, época de colher os frutos da liberação conquistada na década anterior, e também de combater a volta das forças reacionárias por todo o mundo. Seu cinema reflete o êxtase e o receio desse período turbulento da história.

Vecchiali era cinéfilo e acessível como nosso Carlos Reichenbach. Era igualmente assíduo nas redes sociais. Como seu grande amigo e parceiro de trabalho, o crítico e escritor Noël Simsolo, costumava aceitar convites de amizades de cinéfilos de todo o mundo, experientes ou não. Por vezes até comentava em postagens distantes. Essa generosidade transparece em seus filmes.

Era um cineasta instintivo, do amor e da loucura, dos corpos libertos em danças, transas, brigas. As cenas de danças, aliás, transformadas em recurso fácil no cinema francês contemporâneo, em seus filmes iluminam angústias dos personagens, promovem verdadeiras libertações.

Sentimos um grande apetite pela subversão das formas narrativas desde seu primeiro longa sobrevivente, "Les Ruses du Diable", de 1966, passando por sua fase mais celebrada, —de "O Estrangulador", de 1970, até "Réquiem para uma Mulher", de 1979— e também em seus últimos longas.

Ainda nos anos 1970, realizou, com Simsolo e a atriz Hélène Surgère, os sublimes "Mulheres Mulheres", de 1974, sobre duas atrizes veteranas sobrevivendo em Paris, e "A Chantagem", de 1975, com muitas cenas de sexo explícito, adequadas ao que o filme quer passar —o sexo como instrumento de poder e corrupção.

Como produtor, ele se mostrou antenado às novas linguagens cinematográficas, produzindo, em 1975, o excepcional "Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles", de Chantal Akerman, escolhido recentemente pela revista Sight & Sound como o melhor filme de todos os tempos.

Completando o ciclo de obras-primas setentistas, o provocador e inesquecível "La Machine", de 1977, é um libelo contundente contra a pena de morte que permanece pouco visto a despeito da reavaliação de sua obra.

Com "La Machine", Vecchiali começa a produzir seus filmes pela recém-criada Diagonale, casa de produção para filmes de amigos e companheiros de luta, como Marie-Claude Treilhou, Jean-Claude Guiguet e Jean-Claude Biette.

Nos anos 1980, época em que realizou ainda grandes filmes, podemos destacar três deles —"No Alto das Escadas", de 1983, sobre colaboracionismo e delação após o término da Segunda Guerra Mundial; "Rosa la Rose, Garota de Programa", de 1986, que mergulha na zona de prostituição parisiense; e "Uma Vez Mais", de 1988, longa dedicado aos inadequados do mundo, um melancólico relato da Aids em seu período mais devastador.

A década de 1990 é tida como difícil para Vecchiali, o que talvez seja mais aplicável ao período entre 1995 e 2013, já que se pode destacar o curioso telefilme "Point d'Orgue", de 1993, e o incompreendido e pouco visto "Wonder Boy – De Sueur et de Sang", de 1994.

A partir de 1995, realizou filmes de qualidades diversas, sem algo realmente notável, mas também sem nenhum longa que o envergonhe. Época de tatear novas possibilidades à espera do retorno à grande forma, finalmente alcançado com o já mencionado "Noites Brancas no Píer", que despertou uma redescoberta de seu trabalho na França.

Com mais de uma dezena de grandes filmes em sua carreira, Vecchiali pode ser considerado um dos grandes cineastas franceses surgidos após a nouvelle vague. Felizmente, os deuses do cinema permitiram que esse reconhecimento acontecesse enquanto ele ainda estava vivo.

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