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Theatro Municipal vive pé de guerra entre gestão e coro, que teme onda de demissões

OUTRO LADO: Após anúncio de testes com nota de corte, organização que administra a casa suspendeu avaliação interna

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São Paulo

O Coro Lírico Municipal está vivendo em pé de guerra com a organização social Sustenidos, que administra o Theatro Municipal de São Paulo. Os coristas afirmaram que pode haver uma onda de demissões e o sucateamento do atual corpo artístico, num contexto de má gestão dos recursos orçamentários.

O Theatro Municipal de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

A organização social anunciou no início da semana passada que realizaria uma avaliação interna obrigatória dos coristas, entre os dias 23 e 26 de fevereiro, indicando uma nota de corte para a permanência dos artistas no coro.

Em nota enviada à reportagem nesta segunda-feira, a Sustenidos admitiu as falhas orçamentárias e voltou atrás em relação às provas internas com nota de corte, que foram suspensas.

"O processo de avaliação interna é saudável e preza a excelência técnica, artística e eficiência no uso dos recursos públicos", diz a nota. "No momento, vamos suspender a avaliação interna e enfocar a negociação com a Fundação Theatro Municipal e Secretaria Municipal de Cultural acerca do necessário ajuste orçamentário, relativo à inflação."

Consta no documento divulgado na semana passada que o teste teria o objetivo de analisar as qualidades "tecnico-vocais e interpretativas" dos cantores, além de "suas habilidades de leitura musical". Para tanto, seria formada uma comissão julgadora com cinco profissionais que não fazem parte da equipe do Municipal.

Cada corista teria de executar uma ária de ópera ou opereta no idioma alemão, uma ária de ópera no idioma francês e "dois trechos de leitura à primeira vista". As avaliações seriam gravadas, realizadas às cegas, com utilização de biombos, e os jurados não teriam acesso aos nomes dos cantores.

Só estaria apto a permanecer no coro quem obtivesse média final maior ou igual a 7,5 pontos. O teste foi concebido à revelia do regente titular do coro, Mário Zaccaro, que está afastado para tratar uma doença cardíaca.

Logo que receberam a convocatória, os funcionários do Municipal iniciaram uma mobilização contra a realização dos testes, vistos por eles como desmonte. Na noite deste domingo, os músicos da Orquestra Sinfônica Municipal escreveram um "apelo à sociedade" intitulado "SOS Artistas do Municipal".

"A organização social Sustenidos, gestora do Theatro Municipal de São Paulo, tornou-se sinônimo de descaso com os artistas", diz a nota, publicada nas redes sociais.

O texto afirma que há um processo de "uberização" do teatro e que o teste tinha caráter demissionário. "Uma banca com caráter inquisidor foi contratada, não se sabe com quais critérios, para o que nos parece a demissão em massa de artistas. Isso fica evidente, pois, no mesmo dia da convocação desse descabido teste, foi aberto um edital de seleção de cantores, que, caso aprovados, irão trabalhar sem nenhum direito trabalhista."

Em 2011, 37 músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira, a OSB, foram demitidos, depois de se recusarem a fazer testes qualitativos. À época, Roberto Minczuk, agora diretor musical do Municipal de São Paulo, estava à frente da OSB.

Também no domingo, o Sindmussp, o Sindicato dos Músicos Profissionais no Estado de São Paulo, publicou uma nota nas redes, manifestando apoio aos corpos artísticos do Municipal. "Nossa indignação como entidade sindical é a intenção clara e material de um retrocesso na conquista de direitos fundamentais para a classe de cantores líricos, na cidade de São Paulo e no Brasil."

Nos bastidores, um funcionário afirmou que a iniciativa foi tomada para conter despesas e que a Sustenidos não gere bem os recursos. O profissional questionou ainda a consistência técnica da convocatória. Na ausência de Zaccaro, não se sabe quem foi o responsável técnico pela concepção do teste.

Na visão dos artistas, é arbitrária a ausência do repertório italiano na avaliação, se considerada a onipresença de obras de compositores italianos nas temporadas do Municipal. Eles também criticam a presença de biombos em avaliação para cantores, sendo a voz humana a assinatura do artista, que pode ser reconhecida por profissionais do Municipal ou de fora dele.

Os funcionários vivem uma insatisfação generalizada com a Sustenidos. A gestão foi questionada, em dezembro de 2021, pelo Tribunal de Contas do Município. Depois da convocatória, os integrantes do coro expuseram suas insatisfações às diretoras da organização, Andrea Caruso Saturnino e Alessandra Costa.

O relatório da reunião, enviado à Fundação Theatro Municipal de São Paulo, diz que o corpo artístico está sendo esvaziado, com períodos sem atuação na temporada.

De momento, os artistas só devem atuar em março, na ópera "Così Fan Tutte", de Wolfgang Amadeus Mozart, que não requer um coro numeroso. O coro nem vai atuar nos concertos comemorativos do aniversário de São Paulo, marcados para a próxima quarta-feira. O documento registra ainda que o corpo artístico está sem regente-assistente desde o fim do ano passado.

Zaccaro já indicou um substituto para o cargo de confiança, mas até agora a direção não preencheu a vaga. Sem maestro, a volta do coro foi adiada em uma semana. Os funcionários afirmam ainda que adotam um modelo de ponto que computa horas em vez de serviços, algo incompatível com o trabalho desempenhado.

Por fim, o relatório narra uma história rocambolesca. Em novembro do ano passado, Zaccaro recebeu, na portaria do teatro, uma carta anônima, relatando um "plano" para reduzir o efetivo do coro.

O relatório mostra a decepção com os rumos da programação do teatro, decidida por um comitê curatorial. O documento diz que o coro tem sido preterido em diversas produções, por escolhas de título equivocadas e "agendamento de títulos concomitantes".

Outro funcionário conta, também sob condição de anonimato, que os corpos artísticos se incomodam com o investimento em atividades secundárias, tais como as séries "Novos Modernistas" ou "Teatro no Theatro".

Na visão do artista, as óperas, os concertos e os balés parecem estar em segundo plano. Segundo ele, a atual programação do Municipal parece a de um circo, e não a de uma casa de ópera.

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