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Nabil Bonduki

Ainda está em tempo de preservar o anexo do Espaço Itaú de Cinema

Há um caminho legal para a preservação de todos os lugares de interesse cultural e afetivo que ainda restam na cidade

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Nabil Bonduki

Ex-secretário de Cultura de São Paulo (2015-2016, gestão Haddad), professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e professor visitante Fulbright na Universidade da Califórnia

São Paulo

Noticiou-se na última semana o fechamento do anexo do Espaço Itaú Augusta de Cinema, cuja última sessão poderá ocorrer, se nada for feito, nesta quinta-feira. No local seria construído um prédio residencial.

A notícia entristeceu milhares de paulistanos, como o crítico Inácio Araújo e o cineasta Ugo Giorgetti que, em artigos neste jornal, mostraram a importância do espaço para os cinéfilos, para a sociabilidade e para a vida urbana de São Paulo.

Sala do anexo do Espaço Itaú de Cinema da rua Augusta
Sala do anexo do Espaço Itaú de Cinema da rua Augusta - Divulgação

Mas esse desastre ainda pode ser evitado, atendendo a mais de 20 mil cidadãos que apoiaram o abaixo-assinado em defesa do espaço, que inclui o Café Fellini. Entre eles, esse urbanista que há 20 anos luta pela sobrevivência dos cinemas de rua.

Nem tudo está perdido. No Plano Diretor Estratégico de 2014, o PDE, foi criado o caminho legal para a preservação desse espaço cultural e de todos os lugares de interesse cultural e afetivo que ainda restam na cidade.

O PDE definiu, em seu artigo 63º, inciso quatro, uma nova modalidade de Zona Especial de Proteção Cultural, a Zepec, as Áreas de Proteção Cultural , APC, que visam preservar o uso de "imóveis de produção e fruição cultural", mesmo que estejam instalados em edifícios sem valor arquitetônico ou artístico.

A lei cita os tipos de espaços a serem protegidos: "teatros e cinemas de rua, circos, centros culturais, residências artísticas e assemelhados, assim como espaços com significado afetivo, simbólico e religioso para a comunidade, cuja proteção é necessária à manutenção da identidade e memória do município".

O Espaço Itaú de Cinema está inteiramente contemplado nessa concepção e precisa ser enquadrado como Zepec-APC pelo Conpresp.

Essa nova categoria de Zepec foi por mim inserida no PDE, após as dificuldades legais que tivemos para evitar o desaparecimento do Cine Belas Artes. Ela supre uma lacuna que existia na legislação e na visão tradicional de patrimônio histórico, que apenas protegia imóveis de valor arquitetônico e artístico, excluindo o uso e o valor afetivo dentre os objetivos da preservação.

Como secretário municipal de Cultura, regulamentei a Zepec-APC através do Decreto 56.725/2015, que estabeleceu as regras para sua aplicação e determinou a criação da Comissão Técnica de Análise da Zepec-APC.

Ainda na gestão Haddad, em 2016, a comissão foi indicada e foi aberto o processo de enquadramento do Cine Belas Artes, garantindo sua proteção.

O decreto estabeleceu que os espaços a serem protegidos deveriam ser indicados e analisados pela Secretaria Municipal de Cultura, abrindo-se ainda a possibilidade de proposição para cidadãos ou entidades da sociedade civil.

Lamentavelmente, desde 2017, a prefeitura se omitiu da sua responsabilidade de proteger esses lugares tão importantes para a cidade. Nenhum novo espaço foi indicado nem analisado, gerando o atual risco de se perder um espaço tão relevante.

Por essa razão, o Ministério Público abriu uma Ação Civil Pública e a Justiça deu prazo de 72 horas para a prefeitura se manifestar.

Esse descaso agora pode ser interrompido com a análise, em regime de urgência (previsto no Decreto 56.725), do pedido de enquadramento do Espaço Itaú de Cinema como Zepec-APC feita por milhares de cidadãos, e da abertura do respectivo processo pelo Conpresp.

Ressalta-se que o enquadramento em Zepec-APC não apresenta as restrições de um tombamento convencional. De acordo com o plano diretor, o que se pretende preservar é o uso do lugar e não a edificação, quando ela não tem valor arquitetônico, caso do anexo do Espaço Itaú de Cinema.

Com um bom projeto arquitetônico, é possível manter e melhorar as salas de cinema, o café e o belo pátio com sua frondosa árvore, que caracterizam aquele agradável lugar de sociabilidade, sem inviabilizar o edifício residencial que os empreendedores pretendem executar nos pavimentos superiores.

Oferecer alternativas habitacionais e proteger os lugares significativos para a memória, identidade e autoestima da cidade são, ambos, objetivos previstos no Plano Diretor Estratégico, que no artigo 23º, inciso dois estabelece que se deve "compatibilizar o adensamento com o respeito às características ambientais, geológicas-geotécnicas e os bens e áreas de valor histórico, cultural, paisagístico e religiosa".

É isso que precisa ser feito nesse que é um dos últimos cinemas da rua Augusta. Se a prefeitura se omitir, a alternativa de judicialização não será boa para ninguém.

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